Diagnóstico do Tribunal de Contas do Estado (TCE), divulgado nesta segunda-feira (4), sobre o envolvimento dos municípios na prevenção e combate à violência apontou que assumir essa posição ainda é uma realidade distante para a maioria das cidades gaúchas. A preocupação com a gestão nesta área ainda é considerada ausente em boa parte das prefeituras. Num desdobramento desse mapa, a instituição apontou uma série de orientações com possíveis caminhos para ampliar as políticas de segurança pública.
O intuito do mapeamento divulgado anteriormente, segundo o TCE, era justamente entender a realidade dos municípios e, posteriormente, produzir um documento com as orientações aos gestores. É esse trabalho que está sendo apresentado agora. O documento chamado de "Iniciativas de Política de Segurança Pública nos Municípios: orientações do TCE-RS aborda 11 áreas que podem ser trabalhadas, de acordo com a realidade de cada cidade. Há ainda alguns anexos, com exemplos, que podem servir de base para a elaboração de legislações ou projetos nos municípios.
"As lacunas que identificamos são, em parte, resultado da própria realidade orçamentária dos municípios que são pressionados por várias demandas que limitam suas possibilidades de investimento. Sabemos, entretanto, que nem sempre é preciso dispender recursos públicos para se aperfeiçoar uma política específica ou para desenvolver programas que possam ter efeitos significativos na prevenção da violência e da criminalidade. Em muitos casos, mudanças na gestão e a constituição de parcerias com instituições da sociedade civil, a começar por nossas universidades, podem construir soluções inovadoras e eficientes", explica o presidente do TCE-RS, Alexandre Postal, na apresentação do documento.
As orientações vão desde compreender os problemas locais, formas de estruturar a gestão em segurança, como ouvir a comunidade e criar programas que podem ser implementados, com intuito de prevenir e reduzir a violência. São medidas que envolvem, por exemplo, planejamento urbano, redução da evasão escolar, combate ao bullyng, enfrentamento à violência na primeira infância e contra as mulheres.
Coordenador técnico do estudo realizado em parceria entre a Escola de Gestão e Controle e o Centro de Orientação e Fiscalização de Políticas Públicas do TCE, Marcos Rolim, que também é jornalista e sociólogo, explica que o intuito é auxiliar os gestores a qualificar as políticas de prevenção à violência e a criminalidade.
"Se sabe que é possível avançar muito na prevenção à violência e a criminalidade nos municípios. Por essa razão, a partir desse primeiro diagnóstico, o Tribunal lança esse segundo estudo, que traz, primeiro com base na revisão da literatura internacional, as melhores práticas internacionais, aquilo que de fato funciona, e procura orientar também os gestores com base em legislações e políticas já existentes em vários municípios do Brasil. Há algumas indicações muito concretas do que pode ser feito nessa área, mesmo para aqueles municípios que não têm condições de investir recursos na segurança pública, que vivem uma situação já bastante difícil nos seus orçamentos", afirma.
A receita
Identificar problemas: em razão das diferenças entre municípios, não há fórmula genérica para reduzir os indicadores da violência. O primeiro desafio é produzir um diagnóstico local. Universidades, institutos de pesquisa ou consultorias podem ser parceiros na realização de estudos. Outra possibilidade, para driblar a falta de recursos, é aplicar um questionário sobre delitos dos quais moradores tenham sido vítimas. As respostas podem ser anônimas. Um modelo do documento foi anexado ao estudo. É recomendado também realizar reuniões comunitárias em diferentes regiões para debater as realidades locais na área da segurança.
Conselho de Segurança: no RS, apenas 12% dos municípios possuem Conselhos Municipais de Segurança Pública. O conselho é um meio de ouvir a comunidade sobre as políticas necessárias. O intuito é criar um grupo, com representantes de diferentes áreas daquela cidade, que possa discutir quais são os principais problemas enfrentados e buscar soluções em conjunto. A formação dos conselhos exige autorização legislativa. Os gestores interessados precisam elaborar um projeto de lei propondo a criação do Conselho. Uma minuta de projeto de lei que pode ser tomado como base para essa elaboração integra o estudo publicado pelo TCE.
Governança em segurança: uma sugestão do TCE como ponto de partida para os municípios é a definição de uma coordenação de Segurança Pública vinculada ao gabinete do prefeito ou prefeita. A recomendação é que a pessoa indicada para a gestão da coordenação tenha uma formação básica na área. A coordenação seria a responsável pela elaboração do diagnóstico local de segurança pública, a partir do qual daria início à criação do projeto de Política Municipal de Segurança Pública, realidade inexistente na maioria dos municípios atualmente.
Convivência Cidadã: disputas entre vizinhos, em razão de casos como perturbação do sossego ou outras situações, podem escalar até um episódio violento. O intuito aqui é o município estabelecer regras que devam ser seguidas e possam auxiliar a reduzir os conflitos. O abuso e o consumo do álcool em espaços públicos, assim como a venda de bebidas a crianças e adolescentes são fatores apontados como de risco. Regulamentar o funcionamento de espaços que vendem bebidas é apontado como alternativa. Um exemplo citado é a Lei do Sossego, de Pelotas, no sul do RS, que restringe o horário da venda de bebidas numa área da cidade.
Espaço urbano: os projetos urbanos também podem trazer reflexos na segurança, seja para prevenir ou intensificar os riscos. Um dos pontos citados é o controle do tráfico de drogas sobre condomínios populares, resultando em ações violentas e na expulsão de moradores. Algumas sugestões para reduzir os "crimes de oportunidade" são melhorar a iluminação e evitar locais ou vegetação que ofereçam esconderijos aos criminosos. Em praças, uma opção é manter árvores de copa alta, no lugar de arbustos. Nas paradas de ônibus, uma sugestão é deixar o abrigo o mais visível possível, usando estrutura de vidro, por exemplo. Isso pode intimidar a ação do bandido, que teme ser visto cometendo o crime.
Primeira Infância: a violência na infância reflete no desenvolvimento e no comportamento quando jovem ou adulto. Experiências como pobreza, maus-tratos e exclusão escolar são indicadas como de risco. Prevenir a gravidez na adolescência, com programas de educação sexual nas escolas e treinar mães e pais para uma educação não violenta são estratégias sugeridas para reduzir a violência na primeira infância. As consultas de pré-natal podem ser aproveitadas para a capacitação dos pais, com informações sobre os malefícios da violência, da negligência e do abuso sobre as crianças. Pode ser feito ainda encaminhamento para programa do município que ofereça essa capacitação.
Na escola: resultados positivos na educação costumam impactar nos indicadores criminais, reduzindo as possibilidades de envolvimento dos jovens com o crime, especialmente o tráfico de drogas. Para combater a evasão escolar, uma sugestão é identificar precocemente os alunos que possuem maior risco de abandonar a escola e procurar oferecer o apoio. Faltas frequentes e notas baixas são sinais que devem produzir alerta nas escolas. Um dos exemplos citados é o programa Cada Jovem Conta, aplicado em Canoas, Pelotas, Lajeado e Santa Cruz do Sul, que tem esse foco de identificar jovens em situação de risco e assegurar que eles sejam acompanhados integralmente. Outra indicação é manter políticas de prevenção ao bullying, com diagnóstico por escola.
Violência contra a mulher: segundo o TCE, a política pública de prevenção à violência contra a mulher deve considerar também a realidade de violência sobre as meninas. Os municípios podem desenvolver uma política específica com relação ao tema. Uma sugestão é usar o espaço da escola para descontruir valores patriarcais e ensinar o tratamento igualitário entre menino e meninas. Um dos exemplos citados é lei que institui o programa de Enfrentamento e Prevenção à Violência Doméstica e Familiar, Sexual e de Gênero Contra a Mulher na rede municipal de ensino de Porto Alegre, aprovada em março deste ano.
Igualdade racial: o mapeamento indica que municípios podem promover a igualdade racial. Uma sugestão é exigir em serviços públicos o preenchimento do quesito raça, cor e etnia nos formulários de atendimento. Esse registro sobre usuários do SUS e transporte público, alunos e professores das escolas municipais, e servidores municipais, efetivos e comissionados, por exemplo, é um meio para monitorar desigualdades raciais e adotar iniciativas que promovam a superação do racismo estrutural. Outra medida apontada é o incentivo à contratação de pessoas negras (pretas e pardas) e de indígenas, entre servidores e comissionados. Entre os exemplos citados estão leis de cotas aprovadas em Porto Alegre e Caxias do Sul.
Sistema penitenciário: Programas de educação prisional, por meio do ensino regular ou formação profissional, são apontados como efetivos na redução da reincidência criminal. Municípios podem construir parcerias com Estado, Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública e buscar apoio de empresas e organizações da sociedade civil. A ação considerada mais significativa é o apoio aos egressos do sistema prisional e socioeducativo. Uma iniciativa citada como exemplo é o Programa Oportunidade e Direitos (POD socioeducativo) que beneficia adolescentes e jovens com formação profissional e bolsa, reduzindo a reincidência. Municípios também podem desenvolver programas dessa natureza, e afastar jovens do crime.
Justiça Restaurativa: a Justiça Restaurativa envolve a mediação entre vítima e autor de um ato (não necessariamente crime) para que busquem um acordo e encontrem formas de reparar os danos causados. Segundo o levantamento do TCE, diversos municípios do RS já possuem projetos de Justiça Restaurativa em escolas, mas formam, ainda, grupo minoritário. Em Silveira Martins, na Região Central, foi aprovada lei municipal sobre o tema. O estudo recomenda que gestores interessados no tema procurem o auxílio de pesquisadores e de instituições que acumularam experiências na área. No RS, O Tribunal de Justiça mantém o Programa Justiça para o Século XXI, uma das iniciativas pioneiras no Brasil.
Fonte: GZH
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