
“Tem que abaixar a cabeça e trabalhar, porque, se pensar muito, não vai”. A frase dita pelo carteiro Adriano Gomes, de 49 anos, que há 25 circula diariamente para entregar correspondências, resume a realidade de milhares de profissionais que enfrentam o calor extremo nas ruas de Porto Alegre neste início de semana.
Sem alternativa, expostos ao sol escaldante e às altas temperaturas, operários, ambulantes, garis, entregadores e pintores, entre diversos outros profissionais, seguem suas rotinas e lidam com o desgaste físico e o desafio de manter o ritmo de trabalho sob um calor sufocante.
“Eu já nem sei o que é calor, frio, chuva ou sol, porque estou acostumado a conviver com as condições climáticas. No sol, a exposição causa o risco de problemas como o câncer de pele, então eu uso manga comprida e protetor solar. Mas não dá para pensar muito, tem que ir trabalhar”, completa Gomes.
Desde a semana passada, o Rio Grande do Sul registra temperaturas acima da média, e os termômetros seguem em ascensão. Nesta terça-feira, Porto Alegre deve ultrapassar os 40°C, com sensação térmica ainda maior devido à umidade do ar. De acordo com a MetSul Meteorologia, a onda de calor deve persistir até a metade da semana, quando uma frente fria deve diminuir o calor e causar temporais no Estado.
Para quem trabalha nas ruas, a exposição prolongada ao calor extremo traz riscos à saúde. Conforme o presidente da Sociedade Brasileira de Dermatologia-Secção RS (SBD/RS), Juliano Peruzzo, o tempo prolongado no sol potencializa os riscos pela radiação ultravioleta acumulativa. “Isso aumenta muito o risco de doenças de pele, especialmente os cânceres”, ressalta.
A principal orientação para os trabalhadores, especialmente nesta época do ano em que a radiação solar é mais intensa, é o uso de protetor solar. “Todo aquele trabalhador que tem flexibilidade para os horários de trabalho deve tentar trabalhar até às 10h e a partir das 16h. Outra possibilidade é sempre busca abrigo na sombra e em locais fechados. Quando não for possível, sempre orientamos o uso da proteção”, explica o médico.
Além disso, Peruzzo também recomendada que os profissionais façam uso de óculos de sol, roupas de manga longa e calça, preferencialmente com tecidos mais grossos, que auxiliam a proteção solar. Ainda assim, o uso do protetor é indispensável. “O protetor tem que ser aplicado em uma quantidade ideal. Para isso existe a regra da colher de chá, que indica quanto seria necessário para cada área do corpo. Também é importante lembrar da reaplicação, pois o protetor vai se diluindo com o suor. Por isso, é fundamental que as aplicações sejam feitas a cada duas horas, pelo menos”, finaliza.
O impacto do calor no dia a dia
Para os trabalhadores da construção civil, o calor intenso torna a rotina ainda mais exaustiva. De acordo com Pedro Paulo Feijó, 24 anos, que trabalha com obras desde muito jovem, a única opção é adaptar o ritmo. “A cada uma hora trabalhada, aproximadamente, nós paramos para tomar uma água. Temos uma garrafa de 9 litros entre quatro trabalhadores e estamos reabastecendo frequentemente. Não é fácil, mas não tem o que fazer”, afirma.
Já os entregadores, que circulam pela cidade durante todo o dia, enfrentam o trânsito e o calor do asfalto que intensificam ainda mais a sensação térmica. O ciclista Yuri Elias Stieven, 24 anos, que trabalha no ramo desde 2019, relata que os dias quentes exigem um esforço redobrado. “Sempre que posso, paro nas bases das plataformas e descanso um pouco, mas o mais importante é se hidratar o dia inteiro. Também sempre passo protetor nos braços, mas, em dias muito quentes como esses, evito passar no rosto porque o suor faz o produto escorrer e arder os olhos”, conta.
Os garis também estão entre os mais afetados pelo calor extremo. Trabalhando diretamente sob o sol, o cansaço causado pelo calor resulta, muitas vezes, em dificuldades para manter o ritmo. Para Vinícius D’ávila, de 37 anos, que há cerca de um mês passou a exercer a função, a solução é beber muita água e tentar se proteger como pode. “A gente toma muita água e, sempre que posso, molho a camiseta para minimizar a sensação térmica. Mas nestes dias não tem muito o que fazer, porque o calor está imenso”, explica.
Ambulantes que dependem do comércio de rua também sofrem com o calor escaldante. Mesmo com 20 anos de experiência, atuando em uma banca na Praça da Alfândega, Irma Sales, de 53 anos, garante que não tem como se acostumar com o calor extremo. “Quente como está nesta semana é muito difícil. Temos que tomar água toda hora e tendo me proteger na sombra, mas, ainda assim, é muito. Não tem nada que se faça para minimizar. A gente não pode sair da sombra que o sol faz doer a pele”, diz.
Situação semelhante é enfrentada diariamente por Jair Selau, de 51 anos, que há 35 anos trabalha em uma banca do Hortomercado Parobé, onde é gerente. Segundo ele, durante as tardes, quando o sol e o calor se intensificam, é necessário baixar uma lona para fazer um pouco de sombra. “Depois das 15h o sol bate direto na banca. Eu tomo cerca de 20 garrafinhas de água por dia para conseguir aguentar”, comenta.
Apesar da sensação escaldante aumentada pela exposição, a diminuição da quantidade de roupas não é uma alternativa para o feirante, que desenvolveu problemas de pele devido ao contato com alguns produtos e, por isso, necessita deste cuidado. “Eu preciso trabalhar com o jaleco por cima da roupa porque tenho alergia a algumas frutas e isso faz sentir ainda mais calor. Mas a gente tem que superar isto”, pontua Selau.
Já o pintor Maicon Garcia Alves, de 31 anos, conta que os dez anos de experiência lhe mostraram que, apesar do calor, quanto mais roupa melhor para se prevenir do sol. “Eu trabalho de manga cumprida e boné porque ajuda a se proteger. O calor do verão é pior do que o frio do inverno e parece que a cada dia está pior. Diversas vezes durante o dia a gente para e descansa, pois não é possível aguentar a temperatura alta o dia inteiro”, relata.
Alves também explica que a hidratação é outro fator essencial para que a disposição ao trabalho seja mantida, mesmo diante de condições climáticas extremas como as que vêm sendo registradas ao longo deste mês. “Estamos sempre enchendo garrafas, pois estamos sempre tomando. Acredito que tomamos umas dez garrafas por dia. Tem que ter água sempre, senão, não tem como suportar”, acrescenta.
FONTE: Correio do Povo
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