Após anunciar a abertura de 480 vagas em cursos de Medicina em três cidades gaúchas, a Rede Ulbra de Educação deve se tornar alvo de uma ação judicial movida contra entidades representativas da categoria. O Conselho Regional de Medicina (Cremers), o Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers) e a Associação Médica do Rio Grande do Sul (Amrigs) devem entrar com um mandado de segurança no início desta semana contra a ampliação da oferta, que está prevista para Porto Alegre, Gravataí e São Jerônimo.
A justificativa das entidades para a ação é que o Rio Grande do Sul já possui um número superior de médicos ao que é preconizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Segundo estudo da Demografia Médica do Brasil, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e do Conselho Federal de Medicina (CFM), o Estado possui uma taxa de três médicos a cada mil habitantes – o triplo do mínimo recomendado pela entidade internacional. Nas instituições de ensino gaúchas, hoje, há 1.870 vagas anuais em cursos de Medicina.
"Temos um número de médicos suficiente para a oferta de atendimento qualificado para a população. Não há falta de médicos, e sim má distribuição, porque os médicos acabam preferindo morar em lugares com uma estrutura melhor", defende Fernando Uberti, diretor-geral do Simers.
Além do alto percentual de médicos, os órgãos representativos da categoria apontam que é preciso haver uma estrutura hospitalar na região onde um curso de Medicina é instalado, bem como um número mínimo de leitos do Sistema Único de Saúde (SUS) por aluno e “unidades de saúde de qualidade para recebê-los”.
"A criação dessas 480 vagas acontece em três locais nos quais, até então, não temos conhecimento de credenciamento da universidade com algum hospital-escola. Normalmente, o Ministério da Educação vai até a universidade, vistoria o hospital e, depois, dá a acreditação. Isso não ocorreu", pontua o presidente do Cremers, Carlos Sparta.
Sparta refere-se ao fato de que o Ministério da Educação (MEC) não autorizou – e nem rejeitou – a abertura das novas vagas. Com a falta de uma definição, a Ulbra ingressou com uma medida sub-rogatória, para que a Justiça decidisse sobre o assunto. No final de março, o juiz Bruno Anderson Santos da Silva, da 3ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal, publicou sentença permitindo a ampliação da oferta.
A Ulbra estabeleceu um período de quatro dias para a inscrição de candidatos interessados em cursar Medicina nas três unidades, encerrado na última sexta-feira (5). A previsão é de que as aulas sejam iniciadas no dia 22 de maio. Neste semestre, serão ministradas somente três disciplinas. Para cumprir com a carga horária dessas matérias, serão oferecidas três vezes por semana, em vez de uma, como aconteceria normalmente.
Com o prazo exíguo até o início das aulas, as entidades ingressarão com um mandado de segurança, figura jurídica que visa proteger um direito ameaçado ou violado e, por isso, tende a ter um retorno mais célere. A ideia é evitar que novas turmas sejam constituídas, porque a criação dessas turmas poderia dificultar a extinção posterior das vagas.
Em agenda em Porto Alegre, a ministra da Saúde, Nísia Trindade, preferiu não se manifestar acerca da abertura de novas vagas em cursos de Medicina. No entanto, destacou a importância de uma formação médica de qualidade, o que levou a pasta a criar uma comissão em conjunto com o Ministério da Educação.
"Criamos essa comissão para que, em diálogo com as entidades e os cursos existentes, possamos trabalhar a melhor solução para esses credenciamentos, com base em critérios de necessidade da população e de uma avaliação continuada da qualidade", afirmou a ministra.
Ulbra promete qualidade
O diretor dos cursos de Medicina da Rede Ulbra de Educação, Marcelo Guerra, disse estar tranquilo, por entender que a mantenedora que entrou com a ação judicial que permitiu a abertura das vagas – a Associação Educacional Luterana do Brasil (Aelbra) – tomou todos os cuidados e não deixou “furo jurídicos” no processo.
"Eu até me propus a ir ao Cremers, ao Simers conversar. Compreendo as reivindicações e sei que essas entidades têm um papel muito sério, e cabe a nós responder às dúvidas. Vamos mostrar na prática o valor desse curso, que é baseado na qualidade", defende o diretor.
Apesar de a taxa de médicos no RS ser três vezes maior do que a mínima recomendada pela OMS, Guerra ressalta que existe um déficit operacional no setor, com recorrentes relatos de fila de espera para operações e consultas. O médico também assegura que a formação terá a estrutura necessária para que o curso tenha qualidade.
"Já estamos em negociações avançadas com muitos hospitais, que têm interesse em fechar conosco. Também há várias demandas de municípios. Os alunos levam de dois a três anos para começar a ter aulas no hospital, então temos tempo para fazer essas definições", garante o diretor.
O advogado Felipe Merino, presidente da Associação de Ex-empregados Credores da Universidade, que acompanha a recuperação judicial da Ulbra e acessou a ação, considera equivocada a ação que será movida pelas entidades. No entendimento dele, os órgãos representativos não fazem parte do processo atual e não seria possível ingressar com uma nova ação, uma vez que a decisão de um juiz não pode se sobrepor à de outro. Merino também questiona os interesses das entidades.
"Um conselho profissional, que fez um juramento para proteger a população, querer evitar a criação de vagas de Medicina, sendo que faltam médicos, especialmente no Interior? Para mim, isso é reserva de mercado", opina o advogado.
Em abril deste ano, acabou uma moratória imposta em 2018 que deveria ter congelado a abertura de novos cursos de Medicina no país. Na prática, porém, mais de seis mil novas vagas foram abertas durante o período por meio de ações judiciais, segundo o Conselho Federal de Medicina.
Fonte: GZH
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