O número de argentinos que vivem abaixo da linha da pobreza aumentou no primeiro semestre deste ano e chegou a 15,7 milhões de pessoas, segundo o mais recente levantamento do Instituto Nacional de Estatísticas e Censos do país (Indec), divulgado nesta quinta-feira (26).
A pesquisa, que abrange 31 aglomerados urbanos da Argentina, aponta que mais da metade da população (52,9%) está em situação de pobreza, cenário que abrange 4,3 milhões de famílias – 42,5% do total do país.
Os novos dados reforçam a pressão sobre o presidente Javier Milei, que completou 10 meses de governo em uma Argentina castigada por forte crise econômica e social, com dívidas elevadas, câmbio deteriorado, reservas internacionais escassas e inflação na casa de 236%.
Durante os seis primeiros meses da gestão Milei, 3,4 milhões de pessoas entraram para a faixa da pobreza, segundo o Indec. O acréscimo é de 11,2 pontos percentuais (p.p.) em relação ao segundo semestre de 2023, quando 12,3 milhões de pessoas (41,7% da população) estavam nessa situação.
Para classificar que um cidadão argentino está abaixo da linha da pobreza, o Indec calcula o rendimento das famílias e o acesso a necessidades essenciais, incluindo alimentos, vestimenta, transporte, educação e saúde.
Ainda de acordo com a pesquisa, 5,4 milhões de pessoas estão em situação de indigência, ou 18,1% da população. No segundo semestre de 2023, esse número correspondia a 3,5 milhões de pessoas (11,9%).
Quando observadas as famílias, 1,4 milhão foram consideradas indigentes (13,6%) no primeiro semestre deste ano – acima das 870 mil contabilizadas no fim de 2023 (8,7%).
O Indec classifica como em situação de indigência as pessoas que não têm acesso a uma cesta de alimentos suficiente para suprir as necessidades diárias de energia e proteína.
Os custos socioeconômicos
A alta nos preços seguem sendo um grande peso para os argentinos. No primeiro semestre, a inflação acumulada da Argentina foi de 79,8%. Nas ruas, no entanto, há certo ceticismo sobre a relação entre o índice geral e a cesta de produtos consumidos pela população – em especial, a mais pobre.
O governo tem promovido reajustes no salário mínimo. Quando Milei assumiu, era de 156 mil pesos. Agora, o piso chegou a 268.056,50, uma alta de 72% de dezembro a agosto.
Mas o mercado de trabalho está pior. Como dito, o PIB argentino recuou 5,1% no primeiro trimestre e 1,7% no segundo trimestre de 2024. Os resultados aprofundaram a recessão do país.
Uma atividade econômica menor vem acompanhada de desemprego. O setor privado do país demitiu cerca de 177 mil funcionários entre novembro de 2023 e abril de 2024, segundo relatório do Centro de Estudos de Política Econômica (Cepa).
O Cepa aponta a queda do consumo e a grave recessão econômica que o país enfrenta como principais causas das demissões.
E os números representam apenas o mercado de trabalho formal. Na Argentina, a informalidade atinge quase 50% dos trabalhadores. A taxa oficial de desocupação está em 7,6%, acima dos 5,7% registrados no último trimestre do ano passado.
Segundo o Cepa, o setor de construção foi o mais atingido desde que Milei suspendeu as obras públicas como parte de sua política de redução do déficit fiscal. Mais de 56% dos empregos perdidos foram no setor, seguido pela indústria, com quase 43% dos desligamentos.
O dados contrastam com a alta taxa de pobreza, divulgada nesta quinta-feira pelo Indec.
Não à toa, até o churrasco, uma das maiores tradições argentinas, perdeu espaço: a alta nos preços fez o consumo de carne bovina cair ao nível mais baixo em um século, mostrou um relatório da Bolsa de Comércio de Rosario.
Em meio aos mais recentes reflexos econômicos do aperto fiscal de Milei, o sentimento de parte da população é de "sacrifício necessário". O argentino Isidoro Recalde, de 67 anos, por exemplo, disse em entrevista à Reuters que apoia o plano do novo presidente.
"O que pagávamos antes era insignificante", declarou, em referência aos valores antes subsidiados pelo governo. "Vamos ser realistas. No dia a dia, as coisas são complicadas, mas temos que seguir em frente."
Posicionamentos como o de Recalde ajudam a explicar a popularidade de Javier Milei ainda em torno de 50%, mas em queda. Para especialistas, esse tipo de apoio pode ser colocado em xeque caso resultados positivos consistentes não passem a ser observados pela população.
"A classe média argentina entende que está fazendo um sacrifício em nome do reequilíbrio da economia. Mas esse sacrifício não pode ser indefinido. Em algum momento ele precisa começar a render frutos", diz Adriana Dupita, da Bloomberg Economics. "Milei está tendo que equilibrar vários pratos."
Fonte: g1
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