As constantes falhas nos serviços de distribuição de energia, provocadas principalmente durante temporais no RS, como o que chegou a deixar 1,1 milhão de economias sem luz em janeiro, seguem provocando reações na Assembleia Legislativa (ALRS). Entre os projetos protocolados nos primeiros dias do ano legislativo está o PL 11, da deputada Adriana Lara (PL), que defende cobranças automáticas de multas para quem ficar a partir de 24 horas sem luz. No entanto, a proposta pode esbarrar na Constituição Federal.
Na justificativa do projeto, a deputada diz que a proposta busca “garantir uma compensação justa aos consumidores pelos períodos de interrupção, incentivando as distribuidoras de energia elétrica a investirem em melhorias na qualidade do serviço prestado e a priorizarem a manutenção preventiva de suas redes, contribuindo também para a inovação técnica na área, na busca por evitar prejuízos financeiros”.
“É um projeto que já tramita também no Rio de Janeiro, porque a concessionária lá também não é das melhores. Trouxemos para cá, protocolamos, vou discutir com meus pares, certamente vai sofrer emendas e alterações, mas é um instrumento de pressão para a empresa”, afirmou Adriana, em participação no programa Esfera Pública, da Rádio Guaíba, na semana passada.
O texto prevê indenização de 10% do valor da fatura no período afetado em casos de falta de luz de 24 a 48 horas, de 30% para períodos de 48 a 72 horas e de 50% acima deste tempo sem energia elétrica no RS.
Especialista vê inconstitucionalidades
O professor da Faculdade de Direito e coordenador do Observatório da Regulação da Faculdade de Direito da UFRGS, Rafael Maffini, vê questões que entende como inconstitucionais na proposta, independente do conteúdo e do mérito do projeto.
“A primeira delas decorre do fato de que o sistema de distribuição constitucional de competências reconhece a atribuição privativa da União para legislar sobre energia elétrica e para definir os termos da exploração do serviço de seu fornecimento, inclusive sob regime de concessão, sendo dela – e não dos Estados, DF ou Municípios – o interesse predominante sobre a matéria”, explica.
Por se tratar de concessão federal, a legislação prevendo multas às concessionárias estaria acima da esfera do Legislativo estadual. A lei federal 14.052, de 8 de setembro de 2020, prevê a aplicação de multa em benefício do usuário final com base em indicadores do serviço. A própria justificativa do projeto de Adriana Lara lembra desta lei, visando “sanar o não estabelecimento de valores pecuniários estimáveis”.
No entendimento de Maffini ainda há outra inconstitucionalidade no texto ao condicionar à Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do RS (Agergs) a fiscalização e cumprimento do que está previsto no projeto. “A outra inconstitucionalidade consiste na atribuição de competência originária à Agergs, uma vez que a agência regulatória estadual atua por delegação de competências que são, originariamente, da Aneel”, conclui.
Agergs é consorciada da Aneel
É a agência nacional quem recebe as reclamações individualizadas, acionando a agência local para a fiscalização. A Aneel conta com recursos que são repassados aos órgãos reguladores regionais para atuação. De 2020 para cá, a Agergs já aplicou um montante de R$ 200 milhões, em 16 processos de penalização a seis concessionárias que atuam no Estado.
As multas aplicadas não vão para o caixa da agência, mas sim da Aneel, fomentando a Conta Desenvolvimento Energético (CDE), fundo que custeia benefícios tarifários na conta do consumidor final. Cumprindo o amplo direito à defesa, as empresas têm direito a recursos, sendo o conselho da Agergs a primeira instância e a Aneel, a segunda.
Ainda no Esfera Pública com Adriana Lara como convidada, a deputada estadual Luciana Genro (Psol), que também participava do programa, elogiou a iniciativa da colega, mesmo lembrando da possibilidade de não haver viabilidade constitucional. “Não se ele é viável constitucionalmente. Mas mesmo que não seja constitucional acho válido o debate porque instiga a discussão”, disse.
O projeto ainda não chegou à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), colegiado ao qual cabe a admissibilidade do projeto em âmbito constitucional.
Fonte: Correio do Povo
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