Foi realizado nesta terça-feira (2), em São Leopoldo, o Seminário da Reconstrução da cidade, que teve com enfoque o debate sobre as mudanças climáticas e novos eventos extremos, os planos diretor, de drenagem e de contingência, e o sistema de segurança e contenção das cheias. Promovido pela Prefeitura Municipal, o evento reuniu painelistas da UFRGS, Unisinos, ICLEI – Governos Locais pela Sustentabilidade e representantes da administração municipal das áreas do Meio Ambiente, Defesa Civil, Obras e Viação, Semae, Secretaria-Geral de Governo, além de entidades e lideranças da comunidade.
Durante a abertura do seminário, o prefeito Ary Vanazzi falou sobre o problema de muitas pessoas estarem culpando o Rio dos Sinos como causador dos desastres de maio. “Mas o rio é a vida da nossa cidade, a vida de todos nós, incluindo trabalhadores, empresários e da economia. Os alemães e portugueses chegaram aqui de barco porque não havia outras formas de transporte. Até pouco tempo, o rio era o principal meio de movimentação da produção na região. Se hoje a Grande Porto Alegre é uma das maiores regiões econômicas do Sul e contribui significativamente para o PIB gaúcho, isso se deve, em parte, ao rio, assim como ao Rio Caí, ao Rio Taquari e ao Guaíba, que ajudaram a construir Porto Alegre. Esses pontos nos levam a uma reflexão profunda, especialmente no contexto deste seminário. Já promovemos o desenvolvimento econômico e a proteção do meio ambiente, e precisamos continuar realizando seminários para traçar caminhos mais consistentes, considerando a relação entre questões urbanas, industriais, ambientais e a sobrevivência humana”, destacou Vanazzi.
Para a presidente da Câmara de Vereadores, Iara Cardoso, muitos livros irão contar a história da catástrofe de maio no futuro – o marco histórico até então era da enchente de 1941, quando não havia o sistema de proteção de cheias. “Um mês no qual estaríamos comemorando os 200 anos da nossa cidade com uma expectativa diversa de avanço da cidade e de avanço da economia. Ao invés disso, estamos hoje revendo caminhos e buscando alternativas após este desastre, mas tenho convicção de que nós sairemos maiores e mais fortes, mais desenvolvidos e mais felizes”, disse.
O assessor especial do Gabinete para a reconstrução da cidade, Nelson Spolaor, frisou em sua fala a importância da ação de toda a sociedade ter ajudado durante os eventos de maio. “Neste período da maior catástrofe do nosso Estado, todos agiram, independente de religião, de time de futebol, de partido político, de qualquer situação. Nosso objetivo número um é salvar a vida das pessoas, e assim foi trabalhado na nossa cidade, tanto pelo Poder Público quanto pela sociedade civil. O prefeito Vanazzi foi atingido, mas nunca se recolheu, se manteve na linha de frente trabalhando na recuperação da nossa cidade, com empatia e responsabilidade”, explicou Spolaor.
Lideranças da cidade abordam o papel social e econômico como reflexos da enchente
O deputado estadual Miguel Rossetto (PT) falou sobre a necessidade de preparar as cidades e proteger a população das mudanças climáticas, focando em reduzir as emissões de gases do efeito estufa e mitigar seus efeitos. Já o presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL), Olinto Menegon, expressou a sua preocupação com a retomada econômica e o futuro da cidade, explicando que com trabalho em colaboração com as entidades empresariais, soluções rápidas e eficientes poderão ser encontradas para apoiar tanto empresas quanto cidadãos.
Montado nos primeiros dias da calamidade, o abrigo da Unisinos – o maior da cidade na época –, acolheu os desabrigados, e durante três semanas a comunidade universitária ofereceu suporte com segurança e alimentação, relembrou o reitor Padre Sérgio Mariucci.
Seminário reuniu autoridades e lideranças para debater os desafios da segurança do sistema de proteção e futuros eventos
Durante toda a tarde, o evento teve ampla participação de entidades governamentais e não governamentais, como Unisinos, ACIST-SL, CDL, Câmara de Vereadores, Assembleia Legislativa, Movimento de Luta pela Moradia, Comitesinos, associações de moradores, sindicatos, conselhos municipais de direitos e órgãos do governo municipal, que, ao final das exposições técnicas e da leitura da proposta da Carta de São Leopoldo do Seminário pela Reconstrução da Cidade – Mudanças Climáticas e Sistema de Proteção, foi aprovada e divulgada (a íntegra pode ser lida no fim da matéria). Nos próximos dias, será criado um comitê integrado por representantes de entidades que participaram do seminário para acompanhar o andamento das propostas.
O primeiro painel técnico, coordenado pela secretária do Meio Ambiente, Jussara Lanfermann, abordou ações realizadas pelo município voltadas à mitigação dos impactos causados pelas emissões de gases de efeito estufa à atmosfera, como a produção do Inventário de Emissões de Gases de Efeito Estufa, a partir de 2019, e a criação, no ano de 2021, do Observatório de Mudanças Climáticas, em parceria com a Unisinos. De acordo com o coordenador técnico do Observatório, Everson Gardel de Melo, os dados mais significativos do estudo concentram-se no setor de transportes, onde desponta o consumo de óleo diesel que, dentre os combustíveis analisados, apresenta o maior percentual de emissão de gases, seguido do de gasolina e do GNV. Em segundo vem o setor de resíduos e em terceiro, o de energia estacionária. I
Iniciativas como o IPTU Verde, a proposta de que todos os prédios públicos utilizem energia renovável ainda em 2024 e a geração fotovoltaica para unidades de saúde e habitações de baixa renda estão entre as ações locais para o enfrentamento às mudanças climáticas.
Para o professor Carlos Moraes, da Unisinos, as discussões em torno das mudanças climáticas devem acontecer de forma conjunta na sociedade. Referindo-se ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 17, Moraes enfatizou a importância das parcerias para reforçar os meios de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável.
No segundo painel, ao apresentar o histórico do sistema de proteção, o diretor do Sistema de Proteção de Cheias, geólogo Antonio Geske, relembrou a enchente de 1941. Segundo ele, "São Leopoldo possui um sistema de segurança que protege a cidade das cheias, constituído por 21,4 quilômetros de diques, 16 quilômetros de valas internas e cinco Casas de Bombas, mais uma localizada no bairro Santo Afonso em Novo Hamburgo, cujos parâmetros de construção foram embasados na cheia de 41".
Esse sistema apresentado por Geske foi ultrapassado em maio deste ano, quando o Rio dos Sinos atingiu a cota recorde de 8,17 metros. Os diques foram superados pelo maior e mais intenso volume de chuvas já registrado na história de São Leopoldo e acabaram extravasando em pontos da vila Brás e no fim da avenida João Corrêa. Como consequência, as estruturam acabaram rompendo nesses dois trechos.
Plano Diretor já prevê medidas de preservação das áreas do sistema
Em sua explanação, o superintendente de Urbanismo da Prefeitura de São Leopoldo, arquiteto e urbanista João Henrique Dias, apontou que o Plano Diretor Municipal tem como diretrizes a preservação do sistema de diques que protegem a cidade, a proteção das áreas de preservação permanente, o Rio dos Sinos, os arroios e o Morro do Paula. Assim como a estratégia de desenvolvimento territorial do Plano Diretor objetiva adequar o zoneamento do uso do solo de acordo com as fragilidades ambientais.
O painel final foi coordenado pelo secretário-geral de Governo, Olger Peres, e pelo assessor especial do Gabinete, Nelson Spolaor, e abordou inicialmente as ações da Defesa Civil e das forças de segurança na maior catástrofe climática da história de São Leopoldo, com base no Plano de Contingência da Defesa Civil para Inundações (Placon). O coordenador técnico da Defesa Civil de São Leopoldo, Fabiano Camargo, apresentou como sugestões o estabelecimento da Política Municipal de Proteção e Defesa Civil, a estruturação do quadro técnico da área e a ampliação do Plano de Contingência.
Em seu pronunciamento, o professor da Unisinos, Roberto Christ, reforçou que o que ocorreu na enchente de maio foi o transbordamento em um trecho grande dos diques. Segundo ele, a partir de agora é preciso avaliar as condições de integridade e a estabilidade do sistema para definir as alternativas de intervenções a serem feitas. Christ ainda sugeriu que sejam pensadas formas de utilização dos diques para interação com a comunidade, citando como exemplo a criação de ciclovias e pistas de caminhada na extensão dos diques de terra. O professor também recomendou que as bacias sejam pensadas como conjunto e não apenas de forma local.
Força-tarefa do Semae foi responsável por retomar abastecimento e drenar água dos bairros
No fim do seminário, o superintendente de Serviços Técnicos do Semae, engenheiro Ronan de Jesus, explicou que a autarquia operou com as Casas de Bombas enquanto foi possível. No entanto, as estruturas também foram superadas pela enxurrada, que chegou até os painéis elétricos. Ele lembrou que, apesar da interrupção na captação de água, São Leopoldo foi a primeira cidade atingida pela enchente a retomar o abastecimento, com apoio dos servidores do Semae, voluntários e das empresas Higra, Stihl e Mercúrio, levando apenas três dias para o restabelecer o serviço à população, com exceção apenas de parte da Zona Norte, que ficou com a sua estação de tratamento de água, localizada, na Campina submersa.
O superintendente também observou que as intervenções de drenagem também foram efetuadas em tempo recorde em relação às demais cidades afetadas e, para obter este êxito, o município contou com o apoio de empresas locais, como Higra, Mercúrio e Top Vargas.
Ainda segundo Ronan, a elevação dos painéis e a troca do sistema de bombeamento estão entre as ações do Plano Diretor de Drenagem Urbana, que já vêm sendo projetadas pelo Semae.
CARTA DE SÃO LEOPOLDO DO SEMINÁRIO PELA RECONSTRUÇÃO DA CIDADE – MUDANÇAS CLIMÁTICAS E SISTEMAS DE PROTEÇÃO
"Considerando que o mundo vive um enorme desequilíbrio climático, com aquecimento global e tantas outras situações que afetam severamente a convivência humana com o planeta;
Considerando que fruto desse desequilíbrio, as fortes chuvas do final de abril e início de maio de 2024, ano do Bicentenário, causaram a maior tragédia climática de nossa história, com mais de 700,4mm de chuvas em poucos dias, de acordo com a ANA/CPRM, superando a capacidade do nosso sistema de proteção de cheias, extravasando o Rio dos Sinos sobre o dique e consequentemente causando danos, e rompendo-o pontualmente em dois locais, Casa de Bombas da Santo Afonso/Arroio Gauchinho, divisa de Novo Hamburgo com a Vila Brás de São Leopoldo, e na Casa de Bombas do Arroio João Corrêa entre os bairros Vicentina e São Miguel;
Considerando que o sistema de proteção de cheias, elaborado a partir das chuvas históricas de 1941, foi fundamental e garantiu a preservação da vida de milhares de pessoas, e sua capacidade foi superada expressivamente pelo volume das chuvas, entrando água para a cidade de forma gradativa, e necessários novos parâmetros a partir das chuvas de 2024;
Considerando que o evento climático atingiu mais de 180 mil pessoas diretamente, mais de 100 mil pessoas precisaram sair de suas casas, muitas delas por mais de 20 dias, em que regiões permaneceram alagadas, e destas mais de 20 mil precisaram ficar em abrigos coletivos por São Leopoldo e cidades da região;
Considerando que o rápido e emergencial processo de fechamento dos locais onde o dique erodiu, e o uso de bombas submersas extras garantindo que a cidade fosse a primeira da região a secar o seu território alagado;
Considerando que passados 40 dias da cidade ter sido seca, finalizamos a primeira etapa da maior força-tarefa de limpeza da cidade, recolhendo aproximadamente 300 mil toneladas, com mais de 300 máquinas e equipamentos e mil trabalhadores no processo de recolhimento e transporte;
Considerando a realização de dois seminários de recuperação econômica, reunindo de pequenos empreendedores a grandes empresários, junto às instituições financeiras e lançando o Programa Supera São Léo como apoio econômico neste momento de superação;
Considerando a urgência climática que vivemos e a necessidade de discutir o tema ambiental, e o fortalecimento dos sistemas de segurança, o Seminário aponta as seguintes resoluções:
1– Fortalecimento do Observatório Municipal de Mudanças Climáticas e execução do Plano Local de Ação Climática (PLAC), destacando as necessidades e identificando as formas de construção da resiliência das comunidades suscetíveis aos desastres.
2 - Atentar pelas medidas de prevenção com o fomento das soluções baseadas na natureza, para reduzir os riscos de eventos climáticos extremos e aumentar a resiliência urbana e ecossistêmica.
3 - Fortalecer e atualizar o Plano de Contingência (Placon), com medidas a partir dos novos parâmetros acessíveis ao público e eficazes para lidar com desastres, fundamentados em evidências científicas, e garantir a existência de processos e infraestruturas adequadas para evacuação, alojamento, assistência e cuidados às vítimas de desastres.
4 - Garantir a implementação das defesas civis populares, em parceria com entidades da comunidade que possam fortalecer as ações de enfrentamento das situações de urgência, com treinamento e equipamentos adequados.
5 - Zelar pela criação e implementação de políticas de descarbonização e neutralização das emissões de gases de efeito estufa – GEE, como exemplos o IPTU Verde, utilização de ônibus elétricos no transporte público, entre outros.
6 - Pleitear que o Governo Federal garanta ao Município de São Leopoldo, e aos demais municípios das bacias, os recursos necessários para os estudos de volumes pluviométricos, e da capacidade dos rios.
7 - Pleitear que o Governo Federal garanta os recursos para os estudos e projetos de ampliação da segurança do sistema de proteção das cheias (diques), construção de bacias de amortecimento e modernização do sistema das Casas de Bombas;
8 - Pleitear que o Governo Federal crie uma estrutura que possa garantir a gestão integrada dos sistemas de proteção das cheias do Rio Grande do Sul, com a participação dos municípios, do governo do Estado e com a participação popular.
9 – Pleitear que o governo do Estado do Rio Grande do Sul agilize o licenciamento para permitir o trabalho de dragagem do Rio dos Sinos, severamente assoreado com o expressivo volume das chuvas.
10 - Implantação de medidas econômicas, estruturais, sociais, de saúde, culturais, educacionais, ambientais, tecnológicas, políticas e institucionais integradas e inclusivas que evitem e reduzam a exposição a riscos e vulnerabilidade a desastres, aumentem a preparação para resposta e recuperação e, assim, fortalecem a resiliência.
São Leopoldo/RS, 2 de julho de 2024".
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