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Narrando os 200 anos da Imigração: 9º Capítulo - Os Mucker

Na segunda metade do século XIX os habitantes das colônias alemãs vivenciaram um conflito que ainda hoje é lembrado pelas pessoas de mais idade e que foi abordado nos estudos de diversos autores. Nas antigas terras de Kraemer e Schmitt, lá nas proximidades do alto do morro Ferrabraz, na localidade de Sapiranga, um grupo liderado por uma mulher conhecida como Jacobina, tentou criar um movimento religioso numa região onde a população carecia de assistência médica e religiosa e onde havia famílias com baixa formação cultural e poucas condições econômicas.


Jacobina havia nascido em Hamburgerberg, era neta do imigrante Johann Liborius Mentz, que era natural de Tambach na Thüringen e chegou a São Leopoldo em 06 de novembro de 1824, com a esposa e 4 filhos. Mentz havia sido carpinteiro e lavrador em Hamburger Berg, era proprietário do lote número um da localidade, faleceu algumas semanas após a chegada no Brasil. Seu filho mais velho, de nome André, casou com Maria Elisabeth Müller, cujo pai fora expulso da Saxônia, pois tentou fundar uma nova religião. O casal Mentz, participava ativamente na igreja, tinha sete filhos, a mais nova deles, Jacobina, havia casado com João Jorge Maurer, de São José do Hortêncio. O casal se mudou para Sapiranga, ele era curandeiro, enquanto curava os doentes com plantas e ervas medicinais, Jacobina oferecia “cura para a alma” dos pacientes.


Jacobina deixou as famílias da região perplexas. Analfabeta, tinha amplo conhecimento sobre a bíblia, tentava ler e interpretá-la aos pacientes de João Jorge. Também manifestava poderes místicos, entrava em estado de letargia e no seu retorno ao estado normal, descrevia aos pacientes sobre visões celestiais que supostamente havia tido. Primeiramente muitas famílias passaram a acreditar fielmente em suas palavras e começaram a segui-lá. Jacobina passou então, proibiu seus seguidores de irem ao culto ou a missa. Numerosas famílias da região criticaram Jacobina e seus seguidores com fervor, ao lado do clero, pavoroso com a perda de seus fiéis, que chegava a quase mil pessoas. Padres e pastores se uniram as famílias contrárias e se agilizaram em desqualificar o movimento.


Cada ataque, mesmo que de início apenas verbalmente, parecia fortalecer ainda mais Jacobina, que se preparava para construir um grande templo, fazia grandes rodas de oração e abertamente passou a se apresentar como um novo Cristo. Os fiéis de Jacobina construíram uma edificação ao lado de sua casa, construção que serviu como templo e enfermaria, na qual realizavam suas cerimônias e hospedavam os doentes. Doze pessoas foram escolhidas para representar os “doze apóstolos”, em vários momentos a líder religiosa dizia ter visões e afirmava ter a salvação.


Desde o início, eles foram rotulados pelos seus “algozes” como Mucker. Fanfarrões, falsos profetas, todas as alcunhas pejorativas possíveis foram escritas ou faladas sobre eles. Em 1873 o Pastor Boeber, pároco de Sapiranga, inconformado com o movimento Mucker, liderou um abaixo-assinado que foi encaminhado ao Delegado de Polícia de São Leopoldo; neste documento os cidadãos mostravam-se incomodados com os ritos de Jacobina e pediam urgentes providências das autoridades para proibir as reuniões religiosas “fora da lei”. O Pastor Boeber e os 44 moradores da região que assinaram o texto acusaram Jacobina de ter nomeado seus irmãos e marido como discípulos, se queixaram que muitos colonos anunciavam que ela era manifestação de Deus; destacaram que os Mucker não pagavam mais as taxas da Igreja e da escola e denunciaram que eles estariam estocando armas e que o movimento estava dividindo as famílias.


Em maio de 1873 o Presidente da Província determinou que o Chefe de Polícia fosse em pessoa ver o que estava acontecendo. Com mandato de busca e apreensão, a polícia vistoriou a casa dos Maurer. João Jorge e Jacobina foram presos e levados à Capital. Jacobina que estava em estado de letargia, foi conduzida em uma carreta até São Leopoldo, sendo escoltada por oito soldados, numa viagem de nove horas de duração. Em São Leopoldo, foi exposta ao público e insultada. Para despertá-la, os médicos usaram picadas de agulha e de ponta de faca. No entanto, apenas o canto dos fiéis, que tinham lhe acompanhado, conseguiu despertá-la, após 5 horas de tentativas. Jacobina foi internada na Santa Casa de Misericórdia e João Jorge foi colocado numa prisão pública.


Em 13 de junho de 1873, Jacobina e João Jorge foram liberados, sob a promessa de que cessariam seu movimento, dispersando os fiéis. Isso, naturalmente, foi descumprido. Os ânimos foram se acirrando em ambos os lados, até que, no final de 1873 aconteceu a primeira morte. Jacob Kraemer desapareceu no dia 3 de novembro e foi achado morto alguns dias depois. A comunidade denunciou os Mucker pelo assassinato. Em 22 de novembro de 1873 João Lehn levou dois tiros, um atingindo-o no peito perto do braço. A comunidade acusou dois irmãos Sehn (ligados aos Mucker) pelo atentado. Vários seguidores de Jacobina foram presos, 33 foram levados a São Leopoldo e a Porto Alegre, onde foram humilhados, mas foram soltos por ordem do Presidente da Província, por falta de provas. O chefe de polícia em Porto Alegre foi demitido por causa dessa situação e os delegados da região, Lúcio Schreiner e Christian Spindler se demitiram.


Dia 10 de dezembro de 1873, João Jorge Maurer e mais dois outros Mucker foram ao Rio de Janeiro queixar-se ao próprio Imperador D. Pedro II, entregando ao monarca uma petição assinada por 32 pessoas, queixando-se de perseguição da polícia, ofensas morais e agressões físicas e patrimoniais de outros colonos. Os Mucker, quando regressaram, passaram a se armar e se preparar para uma forte resistência armada à polícia e às hostilidades dos vizinhos. Em 27 de dezembro de 1873 o representante imperial solicitou explicações às autoridades da Província sobre as queixas que os colonos Mucker fizeram em petição.


Em 28 de janeiro de 1874 o delegado Lúcio Schreiner respondeu às autoridades imperiais desmentindo as queixas dos Mucker e acusando-os de agitadores. Em 30 de abril foi assassinado em São Leopoldo o jovem Jorge Haubert, que havia desertado do movimento Mucker. Os seguidores de Jacobina logo foram responsabilizados pelo crime, levantando contra si a opinião pública. Em 20 de maio, Jacobina escreveu ao seu primo Mathias Schröder, dando um ultimato aos que estavam foram do movimento. A líder dos Mucker nomeou Lúcio Schreiner como o anti-Cristo. Em 24 de maio foi realizada uma grande celebração no Morro Ferrabrás, Jacobina teria anunciado o fim do mundo e decretado o extermínio de 16 famílias contrárias aos Mucker.


Ameaçados, vários colonos Mucker buscam abrigo na propriedade dos Maurer. Dali adiante os seguidores de Jacobina revidaram as ameaças e várias casas foram incendiadas pelas colônias, não se sabe até hoje, se todos esses incêndios poderiam ser atribuídos exclusivamente aos Mucker. A região de colonização alemã estava em conflito.


Um dos piores casos foi o de Martinho Cassel, que inicialmente era ligado aos Mucker. A família de Martinho Cassel, após ter deixado o movimento Mucker, passou a ser intimidada a ele retornar sob pena de forte represália. Diante da recusa, passaram a ser ameaçados pelos Mucker e, na noite de 14 de junho de 1874, com a família já recolhida ao leito, ouviram-se barulhos de cavalos na proximidade da casa, que ficava na Fazenda Fialho. No dia seguinte Martinho, aconselhado pelo vendeiro Bohrer, foi pedir ajuda ao inspetor de Quarteirao. Este acedeu à solicitação, fazendo um ofício que Matinho deviria entregar às autoridades em São Leopoldo. Mesmo sendo meio da tarde, Martinho acompanhado de seu cunhado Kich resolveu seguir para a cidade. Ao meio do caminho, junto à casa do cunhado, foi convencido a deixar a entrega do ofício para manha do dia seguinte. Durante esta noite, com a família já recolhida ao leito, os seguidores de Jacobina pregaram portas e janelas da residência da família de Martinho e atearam fogo. Morreram a esposa Ana Maria Becker, a sua enteada Luíse Lied (19a.), os filhos de seu primeiro casamento Regina (8a.) e Pedro Arnoldo Cassel (6a.), enteado sobrevivente, que fora ferido a bala, logrou fugir. Em 25 de junho de 1874 também foi queimada a casa e comércio de Jacob Schmitt com ele dentro. Logo depois foi queimada a casa de Felipe Kley.


Neste período, devido aos conflitos por toda a região, o conhecido comerciante Daniel Collin, da localidade de São José do Hortêncio, pediu ao intendente de São Leopoldo, proteção com soldados e armas, e as autoridades leopoldenses não tendo como auxiliar, concederam licença para os colonos providenciarem armamentos. Muitas pessoas ficaram alarmadas por causa dos Muckers na região de São Leopoldo. Havia notícias sobre as pregações da profetisa que se dizia o Cristo, informações sobre guerras e violências, gerando confusão nas colônias. Muitas pessoas fugiram de suas casas e se esconderam nas matas. Em 26 de junho os colonos queimaram as casas de três seguidores dos Mucker, Studt, Noë e Graebin. Situação que gerou mais consternação dos colonos, temendo que mais Mucker, que haviam fugido, de noite saíssem dos esconderijos para vingar-se a ferro e fogo.


Em 28 de junho, num domingo, os católicos foram advertidos pelos padres nos púlpitos das igrejas para que nestas circunstâncias de confusão nas colônias “não faltassem contra a justiça e a caridade”. Pedindo que dessem preferência a oração e as confissões. Muitos atenderam a essa recomendação, assistindo com mais frequência a missa. Durante o mês de julho foram feitas orações diárias (sempre às 8h) na Igreja de São José de Hortêncio, “para afastar maiores perigos”.


Várias famílias de São José do Hortêncio, preocupadas com as notícias veiculadas pelas colônias, para não ficarem isoladas, se reuniram nas casas comerciais das famílias Schmidt, Collin e Trein e na residência dos padres jesuítas.


Dia 29 de junho, algumas mulheres e filhos dos seguidores dos Mucker na localidade de São José do Hortêncio, foram encontrados escondidos em arbustos, quase sem comida, por dois dias, e ganharam abrigo na casa dos Collin. Os ânimos aos poucos se tornam mais tranquilos, depois que muitos homens receberam armas e munições e a notícia de que uma tropa militar já havia saído de Porto Alegre contra o acampamento dos Mucker em Leonerhof. Dia 30 de junho os padres de São José do Hortêncio receberam famílias para se refugiarem na casa paroquial.


A polícia enviou um efetivo de 50 homens para prender os Maurer e outros Mucker. Estes homens, por falta de conhecimento e despreparo com armas, foram derrotados pelos Mucker que estavam preparados e estavam escondidos nos melhores pontos estratégicos.


O exército foi chamado e enviou 500 homens, com 6 canhões. Na primeira tentativa de tomar a casa dos Maurer, no dia 4 de julho, os soldados não conseguiram dominar os Mucker em Leonerhof, o grupo foi derrotado por 40 Mucker, que balearam o General Genuíno Sampaio, “herói” da Guerra do Paraguai, que morreu com um tiro nas nádegas. Segundo a escritora Janaína Amado: “o exército permaneceu ali e estudou o terreno, destruíram a casa de Jacobina, que fugiu para uma gruta no morro Ferrabrás, onde foi morta com 18 seguidores”.


Naquele momento, cerca de mil pessoas permaneciam próximas de Jacobina, e havia um grupo ainda maior de envolvidos em todo esse conflito... O grupo mais próximo de Jacobina se dividiu em três partes durante os ataques que sofreram do Império: o primeiro núcleo, que esteve mais próximo dela até as últimas horas, foi morto no morro Ferrabrás, o segundo grupo foi preso e julgado meses depois, quase todos foram levados para Porto Alegre. A terceira parte dos seguidores de Jacobina se refugiou em meio a mata ou teve que fugir para outras regiões, a maioria emigrou para o Vale do Taquari”.


Foto que se atribui ao casal João Jorge Maurer e Jacobina Mentz, líderes do Movimento Mucker

Miguel Noe e Aurélia Maurer, ela era filha de Jacobina e viveu com parte de seus familiares na Fazenda Pirajá, em Nova Petrópolis, ela faleceu em 1° de setembro de 1927 e ele em 9 de julho de 1950 em Porto Alegre

João Daniel Noë com a esposa Catarina Hofstätter. Segundo Hunsche, Noë foi adepto fervoroso da causa dos Mucker, ficou foragido durante sete anos nos matos da Fazenda Pirajá, Nova Petrópolis. No epílogo dos Mucker (1897-98), na Fazenda Pirajá, foram assassinados seu filho Felipe e três genros: Kunzel, Weber e Gräbin, enquanto ele e seu filho Adão Sigismundo foram baleados.


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