A sagrada trindade dos relacionamentos: humor, escuta e chimarrão - Por Nana Vier
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- 23 de nov.
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— Me passa a cuia.— Passo, mas promete que não vai inventar moda.— Moda? Eu mal falo!— Justamente. Quando tu resolve falar, parece que é porque vem bomba.
Ele ignorou a provocação, tomou um gole ruidoso e devolveu a cuia.
— Eu estava pensando…— Sempre um risco.— Sobre convivência.— Outro risco.
Ele ajeitou o corpo como quem vai explicar o funcionamento do universo ou, no mínimo, o porquê de ninguém conseguir conviver em paz no grupo da família.
— A verdade é que se relacionar é um esporte radical.— Radical?— Radicíssimo. Exige equilíbrio emocional, preparo físico e capacidade de não jogar ninguém da ponte.— Discordo. Exige, acima de tudo, bom humor. Sem humor, até oração vira discussão.
Ela tomou a cuia e continuou:
— Tu já viu como as pessoas interpretam tudo?— Tudo. Absolutamente tudo.— Um "bom dia" já vira "o que será que essa criatura quis dizer com isso?".— E às vezes a criatura só quis dizer bom dia mesmo.
Ele assentiu com um ar filosófico.
— O problema é que todo mundo acha que está certo o tempo inteiro.— Inclusive tu.— Inclusive eu.— E, claro, inclusive eu também. Afinal, alguém precisa manter a ordem nesta casa.
Riram. Riam sempre. Era o segredo do relacionamento: transformar pequenas guerras em grandes piadas.
— Sabe qual é a maior sabedoria da convivência? — ele perguntou.— Tolerância? Escuta? Respeito?— Nada disso: saber calar na hora certa.— Então estamos condenados.
Ele seguiu imperturbável:
— Eu acho que relacionamento só funciona quando a gente desiste de tentar mudar o outro.— Perfeito. Até porque, se fosse pra mudar, eu já tinha te transformado em alguém que lava a louça espontaneamente.— A louça entra de novo no debate!— Ela nunca sai. Relações são construídas sobre louças: as sujas e as lavadas.
Risos. E chimarrão.
— Outra coisa — ele comentou. — O povo tem mania de comentar até vento que não soprou.— Mas bah, se tivesse um botão pra calar metade do mundo…— Tu seria o primeiro a reclamar que te apertaram sem querer.— E faria um escândalo silencioso.
Ele tomou a cuia e concluiu:
— A convivência melhora quando a gente para de interpretar, para de opinar e começa a rir.— Rir um do outro…— Rir de si mesmo…— Rir do caos que é viver com gente.
Ela sorriu e completou:
— No fundo, relacionamento é isso: aceitar que o outro é um universo misterioso, cheio de manias, contradições e silêncios — e ainda assim decidir ficar.— Decidir ficar e dividir o chimarrão.— E a louça.— A louça sempre volta.— Sempre.
Riram mais uma vez, cúmplices, enquanto a cuia passava de mão em mão como um acordo tácito: menos certezas, mais escuta; menos drama, mais humor; menos discurso, mais afeto.
O resto — opiniões, interpretações, teorias — o vento leva. Mas o riso, esse fica. Sempre fica.

Nana Vier, é Professora e escritora































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