Bicicleta e biblioteca - como Veríssimo marcou minha história - Por Nana Vier
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- 7 de set.
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O Brasil se despediu de Luiz Fernando Veríssimo, e eu também me despedi, com o coração apertado, de um dos escritores que mais marcaram minha juventude. Meu primeiro contato com sua obra foram as crônicas. Lembro que, na adolescência, uma amiga me enviou pelo correio — sim, sou do tempo das cartas — um recorte do jornal Zero Hora. Eu havia me mudado para Santa Catarina e não tinha mais acesso aos textos que tanto amava. Dentro do envelope, estava um poema que li e reli incontáveis vezes: “Armário” - uma declaração de amor que cabia inteira dentro de um armário. Com humor, ternura e inteligência, ele transformou gavetas, cabides e pantufas em poesia. O amor, nas mãos dele, sempre parecia uma coisa viva, concreta, cheia de detalhes do cotidiano. Esse fascínio pelas crônicas me levou aos livros. E assim nasceram memórias inesquecíveis: tardes de bicicleta com minhas amigas até a biblioteca pública. Pedalávamos longos percursos com risadas e confidências, ansiosas para renovar livros ou escolher novos. Era o ponto alto da semana: mergulhar em histórias que, de algum jeito, nos ajudavam a entender a vida.
Veríssimo tinha o dom de transformar o cotidiano em literatura, de fazer do banal uma história memorável. Comédias da Vida Privada foi um divisor de águas: histórias curtas que eram espelhos, nos faziam rir de nós mesmos com uma delicadeza única. A Velhinha de Taubaté trouxe a crítica social com humor ácido, enquanto Ed Mort nos fez rir das próprias aventuras e das histórias de um detetive nada convencional, mas irresistível. E como não lembrar do Analista de Bagé, meu personagem preferido, com seu jeito sarcástico e o linguajar inconfundível? Ele, assim como outros personagens, mostrou que a genialidade de Veríssimo estava justamente em criar figuras humanas, próximas, que se tornaram parte da nossa cultura. Ler Veríssimo era como conversar com um amigo espirituoso: ele tinha humor sem crueldade, ironia sem arrogância, e uma ternura que atravessava cada linha. Suas crônicas cabiam em uma página, mas ecoavam por dias dentro de nós. Hoje vejo que escritores como ele não morrem. Permanecem vivos em livros empoeirados de bibliotecas, nas estantes das casas, em recortes guardados com carinho e nas risadas que ainda ecoam quando alguém cita uma de suas frases. Luiz Fernando Veríssimo se tornou parte do imaginário cultural brasileiro — e isso é uma forma de eternidade.
Obrigada, mestre, por ter sido companhia em tardes de bicicleta, inspiração em dias cinzentos e farol de humor em tempos difíceis. Obrigada por ter mostrado que a genialidade pode ser leve, mas nunca será esquecida. Que cada livro seu siga sendo um convite para rir, pensar, se emocionar e viver com mais poesia.

Nana Vier, é Professora e Escritora


































Os autores têm essa incrível missão de nos pegar pela mão e nos guiar pelas via dos sentimentos e sensações muitas vezes desconhecidos. Luis Fernando Verissimo soube usar como ninguém essa maestria. Uma grande lacuna se abre agora na literatura.