Carnaval já foi inspiração para mostrar a "supremacia" social das elites de Porto Alegre
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- 3 de mar.
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Um carnaval para a elite brincar e o povo assistir. Assim eram os desfiles das sociedades carnavalescas nas décadas de 1870 e 1880. Em Porto Alegre, as sociedades Esmeralda e a Venezianos eram as mais prestigiosas. Seus cortejos, com alegorias em carroças, passavam pela Rua da Praia fazendo alusões à mitologia greco-romana e eram vistos como sinônimo de refinamento cultural.
“A ideia é de que essas sociedades representavam uma festa de civilização. Um avanço cultural da sociedade, porque teria uma origem europeia, uma alusão às origens da cultura europeia”, conta Alexandre Lazzari, professor de História da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).
O historiador relata que essas sociedades tiveram um período de decadência na década de 1890 e um ressurgimento na segunda metade da década de 1900. Só que, entre um momento e outro, as ruas foram ocupadas por outras pessoas, o que gerou mal-estar. “Nesse momento, o carnaval já se tornou uma festa muito mais democratizada. Todo mundo dava um jeito de brincar, se formavam grupos, os chamados cordões de carnaval, entre amigos, pessoas da mesma vizinhança. E essa população pobre, população negra, não era bem vista nas ruas. Então, o que se dizia é que aqueles grupos não eram capazes de representar o carnaval. O carnaval seria representado pelas famílias de elite, elas deveriam conduzir os festejos. Só que não tem mais como você expulsar o povo das ruas”.
Lazzari estudou o carnaval das sociedades para sua dissertação de mestrado, analisando sua representação nos jornais da época. “Coisas para o povo não fazer”, dizia uma das crônicas que o pesquisador encontrou, frase que posteriormente batizou seu livro, lançado pela editora da Unicamp [Coisas Para o Povo Não Fazer: Carnaval em Porto Alegre (1870-1915)]. “A crônica falava com ironia do povo fazendo carnaval. O povo deveria assistir o carnaval e não fazer ele próprio, ele não teria condição para isso. Essas sociedades querem desfilar representando a superioridade dessas famílias, a população aplaude, apoia, mas, ao mesmo tempo, existe está nas ruas comemorando de outras formas. Isso incomoda.”
As sociedades já haviam surgido em resposta a outra manifestação popular. Vindo de Portugal, o entrudo era um festejo carnavalesco anárquico que, em sua versão mais branda, consistia em jogar água ou perfume nos transeuntes, mas podia envolver o arremesso de qualquer líquido malcheiroso. “No século XIX, uma das razões pelas quais o carnaval das sociedades era defendido, é que seria uma alternativa ao entrudo. O entrudo seria considerado bárbaro, um costume antiquado, vindo de Portugal. E as sociedades seriam algo moderno, com refinamento cultural”, explica Lazzari.
Assim, para combater o entrudo, as sociedades foram estimuladas a partir da Corte. “Essa ideia vem dos carnavais do Rio de Janeiro e ganha aderência nas províncias. O pessoal em Porto Alegre repercute coisas que estavam acontecendo no Rio de Janeiro, onde existe essa campanha contra o entrudo, que era a forma de todo mundo brincar o carnaval, mas principalmente dos mais pobres”, relata o professor da UFFRJ.
Outras sociedades de mais curta duração existiram em Porto Alegre, como a Germânia, que fazia alusão à cultura alemã em seus desfiles. Mas além da cultura europeia, os desfiles das sociedades costumavam tratar de política. “Na década de 1870, 1880 tinha muito a ver com as coisas relacionadas à vida política da província, a campanha pela abolição, algumas pela própria ideia da República. Geralmente, as pessoas subiam em alguma carroça, se fantasiavam como se fossem algum político, algum personagem, distribuíam folhetos satíricos, faziam algum tipo de alegoria, imagem”, conta Lazzari.
Nas primeiras décadas do século XX, as sociedades foram dando espaço a outras formas de brincar o carnaval, como os blocos e as escolas de samba. Mas não é seguro afirmar que as elites desistiram de impedir o povo de brincar.
FONTE: SUL21































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