Cronometria da pressa - Por Magali Schmitt
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- há 4 dias
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Fui ao laboratório fazer exames de rotina. Na saída, me deparei com aqueles calendários bem pequenos com um imã que, nos tempos idos, a gente grudava na geladeira e hoje, elegantemente, fixamos em um mural metálico, a prova de que as coisas todas evoluem ou apenas voltam repaginadas. Um calendário de 2026. Tive um choque de realidade. Outubro está na metade e temos ‘folhinha’ nova saracoteando por aí, provocando arrepios. Porque foi assustador, preciso confessar. Não, o calendário não é assustador, pois já estou familiarizada com eles. O que me deixou no ar por uns instantes foi o final anunciado, talvez antecipado, de 2025, um ano que parece ter se consumido em poucos meses.
Ontem era maio, anteontem janeiro e semana passada dezembro. Como isso aconteceu e a gente nem viu? Os dias cinza do inverno ainda não saíram da minha memória, assim como o cheiro da flor de laranjeira. Meus olhos nem transbordaram de amarelo o suficiente e os ipês já perderam a cor. Dessa primavera vai ficar somente o vento. Ou até mesmo desse sopro vamos nos esquecer? E daqui a dois dias estaremos comemorando a virada. Então já temos que pensar na roupa e na comida?
Enquanto escrevo esse texto no celular, estou sentada no cartório aguardando atendimento. Aqui parece que não se tem pressa. Ou todos tiveram a mesma ideia de vir no horário do almoço. Por óbvio não vou lembrar desta data, por não ter nenhum acontecimento marcante. Como não lembro da maior parte de 2025. Foi essa reflexão que o calendário de imã me trouxe.
Será que vivi num grande transe? O que fizeram com o meu ano? Ou eu mesma que fiz? O que sei é que o ritmo alucinado do mundo está fazendo a roda girar mais rápido, de novo. Correndo atrás do fim do mês, do dia do pagamento, esperando a fatura do cartão virar, loucos pelo feriado. Sempre focados no futuro, acelerando, impelindo a terra para a frente, todo mundo junto, ao vivo e se mexendo. Quando, no fundo, parece que tudo que desejamos é o inversamente proporcional, nadar na calmaria.
Então por que não conseguimos puxar o freio de mão? O que nos impede de olhar pela janela durante o passeio e apreciar a paisagem se, afinal, custa o mesmo preço? São muitas perguntas para as quais já temos a resposta. Mas não conseguimos executar o plano. É curioso, para dizer o mínimo.
Eu sofro com o ritmo dos dias, em efeito dominó, derrubando uns aos outros sem constrangimentos. O que eu queria, por mais utópico que pareça, é sentir a mudança do clima, o movimento silencioso da terra, o farfalhar das folhas. Observar os ciclos da vida e dos meus. E trabalhar, ter propósito, contribuir com o crescimento da sociedade ao mesmo tempo. Eu acredito, de verdade, que é possível. Eu luto por isso, mas é tão fácil desviar do caminho. Por isso o calendário me assustou, me trouxe ao presente. Me fez parar e repactuar comigo mesma as minhas prioridades. Me lembrou que, como na minha infância, eu gostaria que meu ano levasse um ano para passar.

Magali Schmitt, é jornalista e escritora

































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