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Dia da criança e o amor que ensina a voar - Por Nana Vier

Lembro-me como se fosse hoje o dia em que nossa filha pediu que o pai tirasse as rodinhas da bicicleta. Ele hesitou e achou que ainda era cedo, que talvez fosse melhor esperar mais um pouco. Mas ela insistiu com aquela convicção doce que só as crianças têm, e ele, vencido pela coragem dela, pegou as ferramentas e se ajoelhou ao lado da bicicleta cor-de-rosa. Enquanto desaparafusava as rodinhas, o tempo pareceu se alongar, como se pressentisse que algo estava mudando para sempre.


Vejo a cena com nitidez: ele ao lado dela, atento a cada movimento, pronto para segurar o guidão se fosse preciso. Ela, concentrada, o olhar firme, o corpo pequeno se equilibrando entre o medo e a liberdade. “Pode soltar, pai!”, ela disse. E ele soltou. Um misto de orgulho e susto atravessou o rosto dele. Por um segundo, tudo parou e, no instante seguinte, ela já pedalava sozinha, abrindo caminho entre o vento e a infância.


Parece que foi ontem. Ontem mesmo compramos a bicicleta, e ela ficou saltitando em volta da caixa, ansiosa para ver o pai montá-la. Foram tantas voltas nos parques e pistas da cidade, ele sempre ao lado, empurrando, incentivando, rindo das quedas, levantando-a com paciência infinita. Até que, de repente, já não precisava mais segurar o selim. Já não precisava correr atrás. E quando foi que isso aconteceu? Em que momento deixamos de caminhar ao lado e passamos a observar de longe?


A infância é o tempo em que o coração aprende a se equilibrar sem rodinhas. É o tempo das descobertas simples e das alegrias inteiras — o gosto do picolé que derrete no calor, o cheiro do caderno novo, o prazer de correr sem destino, de se esconder debaixo da mesa, de acreditar que o mundo cabe dentro de um quintal. É nessa fase que o tempo tem outro ritmo, que as horas são compridas e o amanhã parece um lugar distante.


Mas, para nós, pais, ele corre depressa demais. O comunicador Marcos Piangers costuma dizer que “são apenas treze verões”, treze mágicos verões entre a primeira infância e o início da adolescência. Treze oportunidades de estar junto, de participar das pequenas grandes coisas: apresentações escolares, festas de aniversário, corridas no parque, tardes de preguiça, lições de casa que viram risadas. Depois disso, eles crescem, criam asas e o mundo começa a chamá-los com voz própria.


O Dia da Criança nos lembra disso de que não há presente mais precioso do que a presença. Os brinquedos quebram, os eletrônicos ficam obsoletos, mas as memórias de afeto são eternas. O que marca a infância é o olhar do pai que aplaude na apresentação da escola, o abraço depois de uma queda, a mão que segura firme quando o medo aparece.


Ao ver nossa filha pedalar sozinha, percebi o quanto ela é mais corajosa do que eu era. Talvez toda nova geração seja — mais destemida, mais curiosa, menos preocupada com o medo de cair. Nós, que assistimos, carregamos o privilégio de vê-los inventar caminhos e repetir, sem saber, gestos que um dia também foram nossos.


Hoje, ela já não anda de bicicleta conosco. Já tem outros trajetos, outros sonhos, outras companhias. Mas sempre que vejo uma criança pedalando com o pai ao lado, sinto o mesmo aperto no peito uma mistura de alegria, saudade e gratidão. Porque, no fundo, é isso que a vida faz: tira as rodinhas de tudo o que amamos. E o amor verdadeiro é aquele que ensina a se equilibrar mesmo quando já não há ninguém segurando o guidão.


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Nana Vier, é professora e escritora

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