Entre o afeto e o julgamento: a delicada arte dos bebês Reborn desafia o preconceito
- Mariana Santos - Jornalista - MTB 19788/RS
- há 2 dias
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Nos últimos anos, uma arte curiosa e comovente tem conquistado espaço nas redes sociais, feiras de artesanato e até em exposições: a arte Reborn. Trata-se da criação de bonecas hiper-realistas que imitam bebês humanos em cada detalhe que vai da textura da pele ao peso no colo.
A origem dessa arte surgiu na década de 90, nos Estados Unidos, quando artesãos começaram a transformar bonecas comuns em versões mais realistas. Os bonecos que dão vida aos bebês Reborn eram utilizados frequentemente em treinamentos médicos e de primeiros socorros, simulando a aparência e o peso de um recém-nascido. No Brasil, a arte Reborn encontrou solo fértil entre artistas mais detalhistas, colecionadores apaixonados e até terapeutas.
Um Trabalho Manual Minucioso

Fazer uma boneca Reborn é uma tarefa que exige habilidade, paciência e um olhar sensível. Cada boneca pode levar semanas para ser concluída. Em São Leopoldo, a artista Magda Henke, trabalha com essa arte há pouco mais de três anos. Dona da “maternidade” Magborn, que fica localizada no bairro Feitoria, a empresária transforma vinil, tinta e lã de ovelha em algo muito mais do que bonecas. Ela dá forma a emoções, resgata lembranças e, muitas vezes, oferece alívio para dores silenciosas. Há cerca de três anos, Magda encontrou na arte Reborn um refúgio pessoal e acabou descobrindo uma maneira de tocar outras vidas profundamente.
Magda também relata que as bonecas são produzidas a partir de kits que vem de São Paulo e até de fora do Brasil, e demandam horas de trabalho minucioso: pintura de veias, aplicação de cabelos fio a fio, preenchimento com areia para simular o peso de um bebê real, além de certificações, enxoval completo e até “teste do pezinho”. Tudo isso completa a caixa onde são entregues as bonecas.
O envolvimento de Magda com os Reborn começou de forma pessoal. Na infância, ela nunca teve o bebê que desejava. Já adulta, após muitos anos, decidiu se presentear com um Reborn como forma de curar aquela frustração. “Me curou”, revela emocionada. “Botava no bebê conforto, tomava chimarrão perto da boneca... ficava admirando a arte.” O encantamento virou vocação e, aos poucos, sua casa virou um ateliê para dar vida a esses pequenos “bebês”.
As bonecas feitas por Magda são mais que brinquedos. Algumas possuem cabelo natural, feitas com lã de ovelha. Outras são moldadas em silicone sólido, capazes de tomar banho, chupar chupeta e até “fazer xixi”. Há Reborns com feições personalizadas e detalhes como picadinhas de mosquito ou marcas de vacina tudo para aumentar o realismo. E isso não é à toa: muitos compradores buscam nos Reborns algo além da estética. “Já tive senhoras que, ao verem a boneca, começaram a chorar porque lembrava a filha que mora fora do país ou um bebê que perderam há muitos anos”, conta Magda. Segundo ela, a identificação emocional vem muitas vezes de forma inesperada. “Elas só percebem o vazio quando olham para o bebê.”
O público que procura os Reborns vai de crianças a idosos. Magda relata que algumas crianças sabem exatamente o que querem: “Quero uma afro”, dizem, sem necessariamente refletir sua etnia. “É identificação.” Já as mães, muitas vezes, interferem na escolha das filhas, sem perceber que projetam nelas suas próprias vontades.
O mais comum, no entanto, é ver adultos buscando nos Reborns uma forma de conforto emocional. “Não dá pra dizer que é só carência ou frustração. Às vezes, nem a pessoa sabe o que sente, só descobre ao ver o bebê”, explica Magda. Ela já presenciou casos de pessoas que conversam com os bonecos, compram roupas, colocam no berço. “Pode parecer exagero pra alguns, mas pra outros é uma forma legítima de terapia.”

Preço da delicadeza
O preço se reflete pela complexidade do trabalho. O cabelo enraizado fio a fio, por exemplo, pode levar três dias para ser aplicado. O silicone sólido, técnica que Magda aprendeu em dos seus diversos cursos, demanda ainda mais precisão. Os kits são caros e, quando importados, têm o valor elevado pelo câmbio e frete. Apesar do alto nível de detalhamento, a artista mantém preços acessíveis. Enquanto algumas bonecas chegam a custar mais de R$ 2.500 no mercado, ela pratica um valor fixo de R$ 1.800, com um enxoval completo incluso: saída de maternidade em tricô, certidão de nascimento simbólica, dois pijaminhas, chupetas, travesseirinho, escovinha e tiaras. “Prefiro vender e ver o sonho realizado do que guardar bonecos caríssimos que não saem da prateleira”, comenta.
Apesar disso, Magda tenta manter sempre algumas bonecas prontas para pronta-entrega, especialmente pensando nas crianças. “Quando elas se identificam com um bebê, precisa ser aquele. Não adianta mostrar outro”, explica. “É como um quadro: alguns veem como arte, outros como exagero.”
Além do artesanato

A popularidade da arte Reborn cresceu muito com a exposição nas redes sociais e no YouTube. O trabalho, apesar de ser muitas vezes mal compreendido, representa um fenômeno crescente, porém muitas vezes mal interpretado. Embora haja casos de exagero, como quando um casal tentou na justiça recuperar uma boneca “tomada” após separação, ou pessoas que estão utilizando os serviços de atendimentos médicos do SUS para levar suas bonecas para “atendimento”, Magda acredita que é preciso respeitar a forma como cada um se conecta com a arte. “Tudo que é demais não é legal”, pondera.
Apesar do encantamento, o mercado das bonecas Reborn também levanta discussões. Há quem critique o apego excessivo a bonecas, relacionando-o à substituição de vínculos humanos. Outros comparam com o amor dedicado a pets, questionando por que o afeto por uma boneca incomoda mais que o apego a um cachorro. “A bebê Reborn não come, não chora, não dá despesa. Só amor”, brinca Magda.
Para além da estética, a arte Reborn exige responsabilidade. “Não é brinquedo. Não recomendo para crianças pequenas. Tem que cuidar como se fosse um quadro, uma peça de porcelana”, adverte. Segundo ela, o cuidado com os fios de cabelo e com a pintura exige delicadeza. “Tem menina de oito anos que cuida com todo carinho. Mas precisa de orientação”, completa.
Embora o mercado Reborn ainda seja tímido no Rio Grande Sul, o interesse vem crescendo. Com as redes sociais como vitrine e a personalização como diferencial, essa arte conquista cada vez mais admiradores. "Tem cliente que escolhe a cor do olho, o tipo de cabelo, a expressão facial... Tem bebê chorando, sorrindo, bravo. É como um retrato. Um quadro. Uma escultura viva", explica Magda, artesã e responsável por cada etapa da produção. Ela mesmo monta os enxovais e os kits personalizados que acompanham cada boneca. “Já me pediram bebê com vitiligo, com síndrome de Down, albino... Tem meninas Down que querem uma filhinha Down. Isso me emociona muito”, conta.
Mesmo com o crescimento da demanda, a artista afirma que prefere manter a essência artesanal do seu trabalho. Mais do que um negócio, para Magda, a arte Reborn é um hobby afetivo. “Tem semanas que eu nem toco nas bonecas. Mas quando bate a vontade, embarco com o coração. É quando sai mais bonito.” No fundo, é disso que se trata: colocar sentimentos em forma de bebê. Uma arte que nasce do amor e que, como todo amor, desafia os julgamentos e celebra a sensibilidade.
Da Redação Start Comunicação - Jornalistas: Mariana Santos - MTB 19788/RS e Alexon Gabriel - MTB 11472/RS
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