Entre poltronas e prioridades - Por Nana Vier
- Start Comunicação

- 28 de set.
- 3 min de leitura
Dia desses, vi algumas pessoas discutindo sobre qual a melhor classe para educar um filho: econômica, executiva ou a classe das lições de moral. A apresentadora Luciana Gimenez contou que, às vezes, viaja na executiva enquanto o filho vai na econômica, para ele aprender a valorizar o dinheiro. Respeito. Não estou aqui para julgar cada família embarca com a bagagem que tem. Eu só quero falar do meu jeito de arrumar as malas.
Fui criada em uma casa onde, se uma de nós ganhava roupa nova para ir à festa, todas ganhavam e, se não houvesse para todas, ninguém ia. Minha mãe, costureira habilidosa, fazia milagres com linha, tesoura e afeto. Vestir quatro meninas para um evento era quase uma prova de ginástica olímpica, mas ela nunca deixava faltar. Muitas vezes, aproveitava tecidos em promoção e comprava em duas ou três cores diferentes; dali nasciam vestidos iguais no corte, mas únicos nos detalhes: um babado a mais aqui, um cinto diferente ali, uma gola inventada acolá. O brilho não estava no pano, mas no cuidado em garantir que cada filha se sentisse especial e, ao mesmo tempo, parte de um todo. A lição era clara: dignidade se costura junto. Cresci acreditando que igualdade não era discurso, era prática de domingo à tarde, quando aparecíamos alinhadas como um pequeno coral de tecidos variados, mas unidas no mesmo tom de afeto.
Talvez por isso, quando penso em viagens, não consigo separar a classe do assento da classe do sentimento. No avião, gosto de sentar ao lado da minha filha. Converso com ela sobre tudo, e aquilo que ela não come geralmente meu marido acaba devorando com gosto. O afeto, no entanto, não está nas bandejas do avião, mas no gesto simples dela esticar as pernas sobre meu colo, buscando um conforto que já não precisa, mas que ainda encontra. Está também nos filmes que escolhemos sem combinar, rindo juntas das coincidências, como se a sintonia tivesse assento marcado. Gosto de tê-la por perto. Para mim, aquelas horas são ouro e não há upgrade que compre isso.
Dizem que o desconforto ensina. Concordo às vezes. Mas aprendi que o tempo junto educa melhor. Entre o silêncio de um lounge e o barulhinho insistente do carrinho de bebidas, eu escolho o barulhinho. Ali a gente conversa o que a rotina não permite: os medos sem nome, os planos sem mapa, as saudades que não admitem tradução. Ali se ri de nada, se acerta o mundo, se pede desculpa por bobagens antigas. Ali, sobretudo, se aprende o gesto mais caro que existe: estar presente.
Minha filha hoje mora em outro país e roda o mundo com a coragem de quem conhece o próprio eixo. É um ser humano ímpar: caráter que não se dobra, humanidade que extravasa pelos olhos. Carrega valores que não couberam em mala nenhuma e, sempre que pode, agradece pelo que abrimos mão para que ela estudasse, sonhasse, voasse. Não sei se herdei dela a coragem ou se foi ela quem herdou de mim; o que sei é que, quando estamos juntas, o tempo tenta ser curto e nós insistimos em transformá-lo em eternidade.
Reconheço: há muitas formas de ensinar sobre dinheiro. Eu escolhi ensinar sobre valor. Valor do abraço apertado na conexão curta, da piada interna que ninguém entende, da mão que procura a outra na turbulência. Valor de estar ao lado. As lições de custo vêm com a vida: boletos, prazos, escolhas. As lições de amor, essas precisam de tempo de preferência lado a lado, poltronas vizinhas, bandejas bambas, risos tortos. E, se houver sorte, um pôr do sol pela janelinha que nos lembre que o céu é grande, mas a nossa conversa consegue ser maior.
No fim, a classe que importa é a que a gente exerce: classe no trato, classe no cuidado, classe na presença. O resto é número de assento. E eu, sempre que puder escolher, escolho o 12A grudado no 12B porque ali, entre um suco de caixinha e um cochilo atravessado, mora a nossa primeira classe: a do amor.

Nana Vier, é Professora e escritora
































Comentários