Minha cor preferida é um horário do dia - Por Nana Vier
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- 19 de out.
- 3 min de leitura
Tenho a impressão de que o sol é um poeta silencioso. Ele escreve seus versos com luz, todos os dias, sobre a paleta do céu. Ao amanhecer, sua caligrafia é leve, quase tímida. Ao entardecer, torna-se intensa, madura, quase um suspiro. E nós, distraídos, passamos por ele como quem folheia um livro sem perceber que as palavras estão gritando beleza.
Eu, me detenho. Tenho um fascínio quase infantil pelo nascer e pelo pôr do sol. As cores me hipnotizam como se cada tom fosse uma língua secreta que o tempo inventou só para conversar comigo. Tiro fotos, muitas vezes. Outras, fico apenas parada, tentando guardar na memória o que a câmera nunca consegue capturar: o brilho da luz na pele do mundo, o instante exato em que o céu se despede ou desperta.
O nascer do sol a aurora, a alvorada, é o momento em que o escuro cede, como quem entrega o bastão da noite ao dia. O horizonte se veste de ouro e de rosa, e a claridade chega de mansinho, quase pedindo licença. O mundo parece limpo, pronto, respirando novo. É o tempo em estado de esperança.
O pôr do sol, o crepúsculo, é mais profundo. O dia, cansado de ser claridade, se inclina diante da noite. As cores escorrem como tinta líquida: laranjas, vermelhos, violetas que parecem inventados para lembrar que até o fim pode ser belo. Nessa hora, sinto um tipo de reverência que não sei nomear. É como se o céu me ensinasse, silenciosamente, a arte de me despedir com doçura.
Há lugares em que o sol parece demorar mais a partir. Nas praias, onde o mar o engole em silêncio. Nos morros e mirantes, onde ele se deita sobre a cidade. Nas janelas das casas antigas, nas estradas do interior, nos rios que o espelham em calma. Cada um guarda sua própria cerimônia de luz — e eu, sempre que posso, assisto de alma aberta.
Os cientistas dizem que é tudo obra da dispersão da luz solar, quando os raios atravessam mais caminho na atmosfera e as cores frias se dissipam. É física, é óptica e ainda assim, é pura poesia. Porque nenhuma explicação traduz o arrepio que me atravessa ao ver o céu em fogo. Nenhuma teoria explica a vontade de parar o tempo só para olhar.
Talvez sejamos atraídos por isso porque o sol faz com a luz o que o tempo faz conosco: nasce, cresce, amadurece e, quando é hora, se recolhe. Somos feitos da mesma matéria: claridade e sombra, aurora e crepúsculo, recomeço e descanso.
Gosto de pensar que o nascer e o pôr do sol são as duas metades de uma oração. O primeiro é o “amém” que inaugura o dia; o segundo, o “obrigado” que o encerra. Um promete, o outro consola.
E se alguém me pergunta qual é minha cor preferida, eu sorrio e digo: não é uma cor — é um horário do dia. É o azul alaranjado da manhã e o dourado violeta do fim da tarde. São as cores que só existem por alguns minutos, mas me lembram que a beleza, como o tempo, não se segura. Apenas se vive.
O sol nasce e se põe todos os dias, mas quem o vê nascer e se pôr dentro de si entende que é nesse intervalo que a vida acontece e, se a gente olhar com calma, é sempre um espetáculo novo.

Nana Vier, é professora e escritora

































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