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Narrando os 200 anos da Imigração: 12º Capítulo - Escravidão na colônia alemã - 2ª parte


Deste modo, os colonos se organizam, num processo conflituoso para conquistar espaços na nova sociedade e não para se “isolar”, como muitas vezes tem afirmado a historiografia, apoiando-se no discurso germanista da segunda metade do século XIX, mesmo que esta organização repita a definição da diferença. Assim, os colonos foram capazes de produzir, em 1834,requerimentos como este: “... visto as eleições serem regalias dos povos e que os colonos não podem estar sujeitos a autoridades sem ser por eles eleitos, com essa medida os colonos conscientizar-se-ão que não são mais estrangeiros e que devem se empenhar e se dedicar na prosperidade de sua nova pátria”.


Sabemos que esta situação de sub-cidadania não é, a princípio, específica ao colono alemão na estrutura sócio-política do Brasil Império, como demonstra o estudo clássico de Sylvia Carvalho Franco17 sobre os homens livres e pobres na sociedade escravocrata. No caso do “colono alemão”, na medida em que não se enquadrava nos modelos de dominação pessoal, reafirmava sua condição de elemento estrangeiro (estranho) na estrutura de mando e dominação da sociedade brasileira. E seria exatamente considerando esta sua situação que se formalizariam os limites (ou as fronteiras) para sua existência como figura jurídica e como pessoa. Mas como estavam livres do sistema de dominação pessoal, os imigrantes vão explorar com mais força, do que o homem livre pobre “nacional”, o pequeno espaço aberto por aqueles ensaios de regulamentação liberal dos contratos, se colocando como reivindicantes e litigantes na defesa de seus direitos, fazendo valer o peso do grupo.


Neste processo, a Revolução Farroupilha, que abalou a província por dez anos (1835-1845), veio intensificar as relações da Colônia com a sociedade rio-grandense, e agudizar as disputas entre as pretensas lideranças locais, destacando-se os comerciantes, os ex-mercenários, os pastores e os líderes civis, como Hillebrand e von Salisch. Não vamos aprofundar, neste momento, o estudo dos desdobramentos da Revolução na Colônia, destacando apenas que ela foi marcada por um vigoroso envolvimento dos imigrantes, uma vez que pretendemos enfatizar o debate político que se seguiu à pacificação, com a elevação da colônia a condição de Vila.


A nova Câmara, que passava a ser o centro administrativo da Colônia, se compunha exclusivamente de membros do grupo luso-brasileiro local. Os atritos se intensificam na disputa pelo controle político (e econômico) da nova Vila, neste momento de grande desenvolvimento local. Para compreendermos esta disputa, e não reafirmarmos o caráter de isolamento e apatia política dos colonos devemos entender a organização de caráter étnico dos imigrantes e descendentes como política, no sentido dado por Weber. A marca étnica desta organização, portanto, não tem por base o germanismo da segunda metade do século XIX, mas na necessidade de conquistar espaços dentro da sociedade brasileira.


Evidenciamos que a Câmara logo entra em choque com as organizações preexistentes na Colônia, principalmente aquelas que demonstravam uma certa autonomia dos imigrantes.


Amadureciam, assim, os conflitos e confrontos religiosos e étnico-lingüísticos, que expressavam, ao mesmo tempo, a disputa pelo poder e as dificuldades que marcavam as relações e a própria inserção dos imigrantes na estrutura sócio-política brasileira. Aponta Rose19 que é praticamente impossível estabelecer-se um corte exato entre a discriminação e os interesses econômicos e políticos, e que este confronto fundamenta-se através da constituição de estereótipos (a criminalização da fala alemã e da religião protestante, como problema ou como perigo), onde a própria segregação social a que é confinado o grupo minoritário facilita a eficácia do discurso discriminatório, que, por sua vez, é mutável conforme as situações de tensão, de medo, privação ou repressão vivenciada pelo grupo “majoritário”. Ou seja, ao estereotipar e “criminalizar” a fala e a religião dos colonos, estar-se-ia forçando-os a serem iguais, ou a aceitar uma classificação, um status, de cidadania singular inferior, e, assim, a se adaptar às regras de mando.


Como expressão e como elemento constitutivo desta estruturação dinâmica da “comunidade étnica”, que nos esforçamos por tornar evidente, acreditamos que as críticas da Câmara ao uso da língua e à religião protestante, e, assim, às associações religiosas e escolares dos colonos, estariam relacionadas, pelo menos em parte, com a impermeabilidade deste grupo social a algumas práticas políticas brasileiras, marcadamente clientelistas, ou seja, como já afirmamos, às dificuldades de incorporar estes homens, livres e pobres, mas proprietários, às práticas tradicionais de mando do Brasil imperial, o que se explicaria, fundamentalmente, por sua capacidade de organização social, de invocar direitos contratuais e mesmo de buscar compromissos junto aos mentores e simpatizantes do projeto de colonização, ou ainda, na capacidade de se organizar de forma distinta mas articulada e complementar à sociedade brasileira como um todo. Desta forma, a tentativa de transformar a Câmara no centro político local e o grupo que nela encontrava acento no detentor deste poder se confrontava com uma realidade social adversa, tanto pela estranheza da língua, da religião, como pelas organizações autonomistas que os colonos haviam forjado, o que não se opõe ao desejo e à reivindicação ao direito de plena cidadania.


Como expressão deste processo, em 3 de setembro de 1846 era decretada a lei n.º 397 de naturalização, que determinava que fossem reconhecidos como cidadãos brasileiros naturalizados os estrangeiros estabelecidos nas Colônias de São Leopoldo e de São Pedro de Alcântara das Torres, “logo que assinem termo de ser sua vontade” junto à Câmara Municipal. Rapidamente apresentam-se vários alemães requerendo naturalização. Além da Câmara cobrar por estes certificados, contrariamente ao que definia a lei, o que, certamente, afasta muito colonos. Quando o alemão Henrique Bier declarou o desejo de naturalizar-se brasileiro, tanto a Câmara como a Presidência da Província começaram a ser mais rigorosos na aceitação dos pedidos, exigindo, neste caso, uma declaração sobre sua condição de colono, a data de sua vinda para o Brasil, qual colônia recebeu e se a cultivou. E em ofício da presidência à Câmara ordenava-se “que não se deve passar mais declarações a indivíduo algum para requerer carta de naturalização, sem que seja colono”, o que não correspondia às disposições da Lei de Naturalização, que fala claramente em “estrangeiros atualmente estabelecidos nas colônias”, o que não quer dizer exclusivamente “colonos”. Vale destacar que igual instrumento de impedimento de naturalização foi também utilizado para recusar o

pedido de Francisco José Wildt. Aí, interrompia-se esta etapa da naturalização dos alemães de São Leopoldo. Acreditamos que esta mudança de postura decorria da aproximação da eleição para a 2ª legislatura da Câmara Municipal de São Leopoldo, e mais, aponta para uma preocupação em limitar a presença dos imigrantes na política regional, o que reforça nossa suspeita e hipótese de que os colonos já se apresentavam como grupo organizado, e, portanto, articulavam-se formas para limitar sua cidadania e manter o status quo local.


Neste quadro, sabemos que os imigrantes tinham limites econômicos bastante claros para adquirir um produto tão caro como o escravo. Mas a retomada do projeto de colonização, principalmente após os anos 1840, se associava ao lento e gradual processo de abolição da escravatura (Bill Aberdeen e Lei Euzébio de Queirós) e ao debate sobre a substituição da mão-de-obra escrava pela livre imigrante. Neste sentido, ao mesmo tempo que passou-se a discutir mecanismos que limitassem acesso à terra pelo imigrantes, que culminaria com a Lei de Terras (1850), implementaram-se mecanismo que restringiriam e proibiriam a propriedade de escravos pelos mesmos colonos, não só como um meio de drenar os valorizados cativos para os setores preferenciais da economia, como também de limitar o uso deste instrumento ou meio de enriquecimento - o principal numa sociedade escravocrata - pelos “estrangeiros”, afinal sem escravos os colonos não poderiam se tornar latifundiários, ou competir nos setores centrais da economia imperial, nem mesmo com os senhores “brasileiros” que pretendiam centralizar a vida econômica e política da região de colonização.


Assim, quando foi decretada a lei imperial n.º 514, em 24 de outubro de 1848, pela qual, no seu artigo 16, se destinava a cada uma das Províncias do Império uma área de 6 léguas quadradas de terras devolutas para o desenvolvimento de projetos de colonização, determinava-se que não poderiam ser “roteadas” por escravos. Por sua vez, o Presidente da Província, Soares de Andréa, sugeria a necessidade, neste mesmo momento, de se elaborar uma lei provincial que proibisse a posse de escravos “por qualquer pessoa dentro das colônias existentes, ou das que no futuro se derem”, necessidade que recebeu o apoio e concordância de Hillebrand, como Diretor Geral das Colônias, que, ao anunciar em 1850 a existência de 299 escravos em São Leopoldo, reforçava a urgência de uma lei que “proibisse a introdução de escravos nas Colônias da Província”. Lei que veio em 18 de outubro do mesmo ano, quase simultaneamente à Lei de Terra, sendo depois ampliada pela lei geral n.º 304 de 30 de novembro de 1854.


Pesquisa Bado Jacoby/Fonte: Professor Marcos Justo Tramontini(UNISINOS, Brasil)


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