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Narrando os 200 anos da Imigração alemã: 16º capítulo - A colônia de Torres - 3ª parte

Terceira parte:



Segundo Porto, imigrantes de Mecklenburg-Schwerin teriam chegado ao Brasil e, quase que imediatamente, se dedicado ao crime. Visto por esta lógica, não seriam imigrantes desejáveis, mas outra categoria de estrangeiros chegados ao Brasil, quase sempre relacionados à má índole, dispersos entre grupos desordeiros e, por fim, totalmente descaracterizados de sua germanidade. Ao se confundirem com nacionais, desapareceram como imigrantes. Todavia, Hunsche e Porto estiveram embasados em outras leituras, as quais lhes permitiram formular suas teorias e publicá-las na forma de livros. As leituras que formataram o pensamento desses clássicos têm origem na intelectualidade que chegou ao Brasil a partir do final do século XIX. Nomes como o do jornalista, escritor, político e intelectual Karl von Koseritz, por exemplo, têm relevância quando se procura mapear a origem da produção intelectual que influenciou certa geração de pesquisadores. Um dos objetos estudados por Koseritz foi o episódio dos Mucker, finalizado em 1874 com a morte de Jacobina Maurer. Para o jornalista, o embrutecimento dos imigrantes e de seus descendentes ao longo do século XIX – leiase, a perda da germanidade –, propiciou o surgimento da seita dos Mucker. Para ele, a religião, que mais bitolava do que esclarecia, praticamente deixou os imigrantes e suas famílias na mais completa ignorância. Como liberal, usou a imprensa para atacar, de forma incansável, a Igreja Católica e a Igreja Protestante (com esta última, teve alguns momentos de diálogo). No entanto, outros intelectuais também se valeram da imprensa para divulgar o modo de viver em São Leopoldo. Ramos transcreve pequeno artigo publicado no jornal “Deutsche Zeitung”, de 1861, no qual se lê:


Em Porto Alegre existe um jornal alemão Der Deutsche Einwanderer (O imigrante alemão) que circula em todo o sul do Brasil. Diz ele que a acusação de que o alemão separado de sua Pátria se adapta facilmente e até esquece sua língua não é verdade aqui. Os alemães de São Leopoldo, ao contrário, permaneceram alemães. Pouco distante de Porto Alegre, é um local em que não se entende e não se fala uma palavra em português. Também as crianças nascidas no Brasil falam só alemão. Isso tem suas desvantagens, pois, por isso, nenhum desses servidores pode ser Deputado ou sequer participante da Câmara Provincial de Deputados (RAMOS, 2000:105-106).


Ao que parece, o autor do pequeno artigo quis chamar a atenção para a guarda da germanidade que, segundo suas considerações, poderia dificultar o acesso dos alemães à política. Por certo, o contato com nacionais e a proximidade com Porto Alegre fez com que o grupo se constituísse etnicamente; porém, é preciso relativizar a afirmação categórica de que São Leopoldo “é um local em que não se entende e não se fala uma palavra em português”. Os documentos trabalhados neste texto dão conta de que houve intercâmbio entre os que já estavam (nacionais) e os que chegaram (alemães). Talvez o exagero da frase tenha tido a intenção de colocar o problema maior em pauta, ou seja, a pouca participação partidária dos alemães na política rio-grandense.


Koseritz, que valorizou o falar em alemão, destacou o imigrante (considerado como exemplo) que conseguiu guardar e praticar sua germanidade. Foi aquele, também, que pouco se deixou tocar pela cultura dos nacionais. Do ponto de vista teórico, a formulação de Koseritz e de outros intelectuais – liberais, católicos e protestantes – influenciou inúmeros pesquisadores municipalistas e historiadores acadêmicos que, pela importância e permanência de suas obras, alçaram o status de clássicos. A crítica que se deve fazer a estes trabalhos é que deixaram de perceber que muitos dos elementos encontrados na Colônia de São Leopoldo também fizeram parte do cotidiano de outros núcleos coloniais. O vendeiro Carlos Leopoldo Voges, com residência na Colônia de Três Forquilhas, estabeleceu vínculos comerciais e de parentesco com a família Diehl, de São Leopoldo, e a Dreher, de Porto Alegre. Do mesmo modo, embarcações levaram e trouxeram mercadorias pelo rio dos Sinos, Jacuí, Taquari, e também pelas lagoas do LNRS. Ou seja, muito do que se fez presente em São Leopoldo foi vivenciado em outras Colônias do Rio Grande do Sul. Ao se generalizar, perdeu-se a especificidade de cada núcleo.


No que se refere ao início desta discussão, em dois textos apresentados no Simpósio Internacional de Imigração e Colonização, realizado na UNISINOS e promovido pelo Instituto Histórico de São Leopoldo e por esta universidade, experimentei dialogar com meus pares sobre a questão central deste texto, ou seja, como inserir os outros núcleos de imigrantes que foram pouco contemplados na história da imigração? No primeiro texto, publicado em 2008, investigou-se o naufrágio do bergantim Flor de Porto Alegre, ocorrido em dezembro de 1824, na região de Mostardas, litoral do Rio Grande do Sul, o qual trazia imigrantes alemães da Europa para o Brasil. Afora o fascínio de se trabalhar com tal tema, o foco da análise recaiu sobre a afirmação equivocada de que alguns náufragos teriam se dirigido, pela praia, em direção norte, à Colônia alemã de Três Forquilhas. Considera-se equivocada a afirmação divulgada por Balduíno Rambo e Hunsche, pois os primeiros imigrantes alemães chegaram ao LNRS somente em novembro de 1826. Portanto, seria impossível haver um núcleo colonial antes disso. Já no segundo texto, publicado em 2010, me debrucei sobre um tema que dava continuidade ao apresentado em 2008 e que, de forma especial, atingia minha subjetividade. Como descendente de um imigrante que saiu das casas de correção” de Mecklenburg-Schwerin – Carl Witte havia sido acusado de “ladrão de cavalo” –, relacionei minha história pessoal com o posicionamento de autores que tentaram apagar a presença destes imigrantes da história da imigração. Os já citados Rambo, Hunsche e Porto foram alguns com os quais estabeleci diálogo.


Parte dos clássicos, ao tomar a visão dos intelectuais chegados ao Brasil a partir do final do século XIX como referência para suas análises, contribuiu para bipolarizar os imigrantes entre “bons” e “maus”. Marcos Tramontini relativizou estes qualificativos no texto “O „mau‟ imigrante: má origem ou capacidade de organização e luta”, no qual demonstrou que, muitas vezes, organizar-se e lutar por seus direitos foram atos confundidos como desordem. Isso levou à rotulação depreciativa, tanto no plano individual, como no coletivo. Assim, indivíduo, família ou Colônias foram classificados como “bons” ou “maus”. Ellen Woortmann constatou que havia grande preocupação por parte dos pais em relação ao futuro namoro e casamento dos filhos. Daí a pergunta crucial e, normalmente, formulada no primeiro encontro: qual o teu sobrenome? De que família tu és? Os casos trabalhados por Woortmann ilustram como a construção de imagens positivas ou negativas chegava ao mais íntimo dos contatos e era usada pelas famílias para aproximar ou afastar possíveis pretendentes.


Os estudos relacionados à história da imigração e colonização no Sul do Brasil têm relativizado as afirmações equivocadas de parte dos clássicos. Ao assumir a postura de que as diferenças devem ser inseridas no rol das pesquisas e dos estudos imigratórios, muitos indivíduos, famílias e Colônias ganharam voz e ocuparam páginas e páginas de Trabalhos de Conclusão, Dissertações, Teses e de outras publicações. A partir disso, as Colônias de São João das Missões e das Torres, esta última dividida entre São Pedro de Alcântara e Três Forquilhas, e os imigrantes de Mecklenburg-Schwerin, foram considerados objetos de estudo e, principalmente, inseridos na discussão sobre o papel dos imigrantes e seus descendentes na história do Brasil. Isso foi possível graças à implementação dos Programas de Pós-Graduação em História, sobretudo a partir da década de 1990, o que alavancou as pesquisas entre acadêmicos; à abertura da ciência histórica a outras interpretações, teorias e relativizações, o que levou à incorporação de agentes históricos que estavam à margem; à consolidação de novos espaços de discussão, como simpósios e seminários que proporcionaram a aproximação entre pesquisadores municipalistas e acadêmicos e à atmosfera revisionista que estremeceu algumas verdades das Ciências Humanas.


A título de fechamento, mas não de conclusão, as pesquisas e os estudos sobre imigração e colonização no Sul do Brasil apontam para o fato de que imigrantes e seus descendentes se constituíram como grupos étnicos ao se confrontarem com o outro. Daí a importância de se estabelecer diálogo contínuo entre os estudos da imigração e as teorias sobre grupos étnicos e etnicidade. Os ditos estudos, para não incorrer em equívocos como os apontados neste texto, devem levar em consideração a especificidade de cada grupo colonial, e também se dedicar ao que há de comum entre as diferentes experiências (i)migratórias.


Fonte: MARCOS ANTÔNIO WITT* , autor da pesquisa "Grupos étnicos e etnicidade: o caso paradoxal da Colônia alemã de Torres" - Pesquisa de Bado Jacoby





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