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Narrando os 200 anos da Imigração alemã: 33º capítulo - As Associações Recreativas - 3ª parte

Atualizado: 22 de mai. de 2023


Desfile do clube de caça de Brusque, fundado em 1856

As sociedades de tiro são as mais antigas, surgindo primeiramente em Blumenau e Joinvile (SC) em fins da década de 1850. A partir de então, multiplicaram-se nas áreas urbanas e nas linhas coloniais, definidas por preceitos defensivos e, igualmente, de sociabilidade, visando a perpetuação do patrimônio cultural trazido pelos imigrantes da Urheimat(pátria de origem). No primeiro caso, a referência é a origem histórica da agremiação, que recua até a Idade Média, conforme consta da Memória comemorativa dos 75 anos de fundação de uma das mais antigas sociedades de tiro de Santa Catarina - a Schiitzenverein Brusque, fundada em 1866, seis anos após a fundação da primeira, “colônia alemã” do vale do Itajaí-mirim. Ali, é considerada uma “antiga instituição alemã” surgida da necessidade de defesa das muralhas das cidades medievais: espécie de “guarda cívica” que, de alguma forma, podia ser recriada “no seio da floresta brasileira”. Na Alemanha, as organizações de atiradores, como corporação, tiveram um breve ressurgimento na guerra contra Napoleão Bonaparte e, depois, “transformaram-se em simples sociedades de atiradores”. A Memória está basicamente correta quanto à origem corporativa da associação e sua participação na “guerra de liberação” em 1813.


Apesar das alusões à defesa da comunidade e ao passado guerreiro dos atiradores (em parte associado ao nacionalismo alemão), não existem registros de que os associados das Schützenvereine tenham atuado como milícias. Seu papel defensivo foi ocasional. (Flores, 1983) Por outro lado, deve-se assinalar que a comunidade Volk imaginada pelo nacionalismo alemão do período rom ântico estava, pretensamente, localizada na Idade Média. Assim, o pressuposto de defesa e a eventual colaboração com a polícia e o exército assinalada por Fouquet (1974 p. 158)5 ficam em segundo plano, e as representações contidas em folhetos comemorativos, depoimentos de associados e nas historiografias locais dão destaque às atividades culturais e à sociabilidade assegurada em termos comunitários durante a grande festa anual. Nesse caso, as competições de tiro (ao alvo e aos pássaros) ensejavam um congraçamento geral que incluía espetáculos teatrais, dança, canto, etc. - movimentando a comunidade como um todo. A festa medieval era realizada no início da primavera; no Brasil, por essa razão, podia coincidir com a Páscoa. As festas eram abertas à comunidade, nunca restritas aos associados. Por sua natureza, constituíam uma celebração da germanidade pela comunidade - a associação em si, representando uma ligação com o passado germânico.


A Memória citada aponta, ainda, para um outro fato importante: a festa anual recebia associados de outras Schiitzenverein. O intercâmbio entre as associações levou à formação de Federações regionais que serviram como elo de ligação entre diferentes “colônias” - um dado a mais para justificar a intervenção durante a campanha de nacionalização.


Não é possível dar uma dimensão estatística das sociedades de tiro ou de quaisquer outras. As estimativas que existem são datadas. O Álbum comemorativo do centenário da imigração alemã, publicado em 1924, por exemplo, informa que existiam, então, 327 sociedade de diversos tipos (predominando as canto, tiro e ginástica) em 14 municípios do Rio Grande do Sul. Flores (1983, p. 173-174) faz uma listagem de 48 sociedades existentes em Venâncio Aires na década de 1930, das quais 16 eram Schützenvereine. Numa referência genérica, Roche (1969, p. 646) diz que as sociedades “pululam” nas colônias e em Porto Alegre: só no município de São Leopoldo existiam, em 1924, 66 delas, 47 situadas em distritos rurais; e na região de Ijuí eram 130. Em Santa Catarina os textos comem orativos também são pródigos em listagens de associações, com destaque para o município de Blumenau, onde cada bairro urbano e as principais linhas coloniais ostentavam suas Schützen - e Gesangvereine (Kormann, 1994).


Estes números, mesmo pouco confiáveis para permitir uma estimativa mais geral, mostram a multiplicação das sociedades recreativas teuto-brasileiras, com seus pressupostos de germanidade, num período histórico onde cada vez mais se exige o abrasileiramento dos alienígenas (isto é, imigrantes e descendentes não assimilados). O sentido de unidade da colônia alemã singularizada (enquanto “totalidade” étnicamente definível), sugerido pela federalização das associações de tiro, deu aos brasileiros mais um argumento em favor da intervenção nacionalizadora. O depoimento de um colono sobre a intervenção na Schützenverein Brusque em 1939 é significativo do sentimento de pertinência étnica vinculado às associações:

“Antigamente todos os alemães compareciam à grande festa. Algumas famílias de sócios ainda guardam as fardas dos seus avós, feitas na Alemanha. A festa era de todos. Tinha a marcha dos atiradores, as 26 - Travessia / Maio - Agosto / 99 competições, o Kõnigsball (baile do rei), as apresentações do coro masculino e tudo aquilo ... Quase só alemão comparecia. Aí veio a nacionalização, os colonos não podiam mais participar, fecharam a sede que virou lugar de quartel, depois escola, só para humilhar os alemães. Quando reabriu, com outro nome, não era mais a Schützenverein, era só para sócios, os colonos não vêm mais.”

Duas referências são importantes na construção da idéia de germanidade {Deutschtum) no espaço das sociedades de tiro. Em primeiro lugar, a festa anual, onde as competições ensejavam, além do baile, atividades assumidas como representativas da cultura alemã (que compreendiam, além das apresentações de corais mencionadas no depoimento, o uso de trajes tradicionais e da língua alemã). Em segundo lugar, os atiradores (os sócios que participavam dos torneios de tiro) se apresentavam fardados, numa evocação à origem germânica desta tradição. De fato, a festa propriamente dita, realizada na sede social, era precedida pela marcha dos atiradores - todos uniformizados e ostentando suas condecorações (obtidas nas competições locais e regionais) - animada por banda de música e pela participação da comunidade; e no encerramento, após os três dias de festejos, outro desfile (a marcha de retorno) homenageava os novos “reis do tiro”.


A Schützenverein teuto-brasileira repete a conexão entre pertencimento étnico (nacional) e tradição, herança do nacionalismo romântico alemão com a glorificação da comunidade Volk, que está na raiz da sua recriação na “floresta brasileira” - para usar uma expressão comum nas representações sobre a colonização evocativas, também, dos pressupostos de defesa que justificam sua existência.


A natureza da atividade esportiva, o uso das fardas (que supunha uma hierarquia) dando aparência militar ao desfile dos atiradores, a forte caracterização como instituição nacionalista alemã, motivaram a ocupação militar de algumas sedes sociais durante a campanha de nacionalização.


Fonte: Revista Travessia/Giralda Seyferth/GZH/Pesquisa de Bado Jacoby


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