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O tempo na linha - Por Magali Schmitt

Ali na Bento Gonçalves, se vocês lembram, em frente à Cruz Vermelha, ficava a CRT. Passei em frente um dia desses e tive uma espécie de déjà-vu com volta no tempo. Dessas coisas que nos fazem pensar em como a vida voa e como cabe tanta coisa num mesmo período. Dali, contemplando a fachada do prédio, meu cérebro me catapultou para o milênio passado. Sim, sou dessas pessoas privilegiadas que ultrapassou século e milênio e cruzou a fenda entre dois mundos.


Era 1992 e meu namorado à época desenvolvia um projeto para um banco em São Paulo, e a nossa única forma de comunicação era por telefone. Na minha casa não tinha telefone fixo — sinônimo de luxo. Então, eu pegava um ônibus, todo sábado, e vinha até o Centro para ligar para ele no horário combinado, às 19h. Não dava para ser por orelhão, claro, porque era um interurbano. Também tinha de ser com hora marcada porque eu ligava para a recepção do hotel, que passava a ligação para o quarto dele. Era uma operação complexa, com várias pessoas envolvidas.


Foi para esses dias que meu cérebro se deslocou naquela fração de segundos em que um filme completo se passa na cabeça da gente. Esse poder de viagem no tempo é incrível. As paredes brancas, a grade na frente da construção de andar térreo, as antenas de telecomunicação no pátio, os sons lá dentro. Tudo voltou com nitidez. As cabines forradas para abafar as vozes, a janelinha de vidro, cabos, fones, conexões daquela tecnologia avançada que possibilitava ouvir a voz da pessoa amada em tempo real em qualquer lugar do planeta.


Era fascinante. Em cada uma daquelas baias diminutas se desenrolava uma história. Triste, feliz, de recomeços, de ponto final. Quantos desdobramentos de vidas passaram por ali, naquelas cabines. A telefonista discreta passando as chamadas. O relógio correndo contra a minha vontade e engolindo meus cruzeiros sem dó. Era caro falar ao telefone. Em especial quando se ficava pendurada por mais de hora, como era o caso.


Naquela época eu olhava para a frente e tinha mais perguntas que respostas. Uma idade em que a gente tem um pé no presente e outro no limbo existencial, quando o futuro é maior do que passado. Foi por esse lugar que andei ao passar em frente ao prédio da CRT, que já deixou de existir, como tantas outras coisas, dando lugar ao desenvolvimento. Isso não é uma crítica nem saudosismo. É uma constatação.


A constatação de que o mundo girou e está girando loucamente e se não embarcarmos na nave a tempo ela nos dá um olé. Temos que nos agarrar, com as duas mãos, e não largar mais. E quando passa, às vezes ainda não estamos prontos ou convictos. Mas há que se estar atento aos sinais, cavar oportunidade e arriscar um pouco também.


Afinal, a vida é isso, essa montanha-russa de sobe e desces que causam mal-estar, mas, por óbvio, muito frio na barriga e euforia. Nem sempre vai ser maravilhosa, mas sempre vai ser o que temos. A gente é que tem que dar os pulos para dar cor, criar o recheio e o tempero, que tudo demanda esforço. Por isso, ao ver aquele prédio, senti um quentinho no coração.


Hoje aquele cara ainda é meu namorado e criamos tanta coisa juntos que ao olhar para trás sinto essa sensação difícil de colocar em palavras, de rápido e devagar, de fugaz e intenso, de tudo ao mesmo tempo. Durante os passos que dei passando em frente à telefônica fiz esse percurso pela minha trajetória. Mas em poucos segundos o portal se fechou e segui meu caminho por uma Bento Gonçalves muito mais ruidosa e menos arborizada que naqueles distantes anos 1990.


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Magali Schmitt, é jornalista e escritora


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