Outubro, o mês em que o corpo fala de coragem - Por Nana Vier
- Start Comunicação 
- 5 de out.
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Ainda lembro do dia em que ouvi uma palavra que nenhuma mulher deseja escutar: câncer. O tempo parou. A sala branca do consultório ficou imensa e silenciosa. O médico continuava a falar, mas as palavras vinham de longe, como se atravessassem um túnel. Lembro do som do meu próprio coração tentando entender o que acontecia era ele, e não a mente, quem reagia primeiro. A palavra “câncer” é como um trovão que divide a vida em duas partes: o antes e o depois.
Vieram o medo, as lágrimas escondidas, as madrugadas insones. Mas também vieram os gestos e foram eles que me sustentaram. A mão do meu marido segurando a minha antes da cirurgia. O olhar da minha filha, então adolescente, tentando ser forte para não me deixar desabar. O colo da família, os abraços dos amigos, a fé que se fez mais concreta do que nunca. Descobri que a cura começa muito antes do tratamento: ela se anuncia no amor que nos envolve quando a dor chega.
Tive privilégios e sei o quanto isso fez diferença. Tive plano de saúde, acesso rápido ao diagnóstico, condições de pagar exames, medicamentos, consultas. Mas penso, sempre, nas mulheres que não têm a mesma sorte. Nas que esperam meses por uma mamografia. Nas que enfrentam filas, viagens, solidão.
Por isso, o Outubro Rosa é mais do que uma campanha. É um grito coletivo pela vida, pelo diagnóstico precoce, pela igualdade de acesso, pela atenção que pode salvar uma mulher que nem sabe que corre perigo.
A vida depois do câncer não é igual. Ela ganha novos contornos o tempo muda de textura.
As manhãs parecem mais luminosas, o perfume do café mais intenso, o toque da pele mais precioso. Cada aniversário passa a ser uma celebração íntima com a vida. Aprendi a escutar o corpo, a respeitar seus silêncios, a agradecer por cada célula que trabalha em mim. E aprendi, sobretudo, que coragem não é ausência de medo — é caminhar mesmo tremendo.
Quando vejo histórias como a da jornalista esportiva Alice Bastos Neves, que transformou a dor em força, me reconheço. Somos muitas: mulheres com cicatrizes que não escondem fraqueza, mas testemunham resistência. Somos as que voltaram a dançar, a sorrir, a se olhar no espelho com gratidão. As que entenderam que viver é, antes de tudo, continuar acreditando na beleza — mesmo quando ela vem disfarçada de batalha.
Hoje, quando outubro chega e as cidades se vestem de rosa, sinto que essa cor me veste também.
Não como símbolo de fragilidade, mas de poder. Porque o rosa, para mim, é a cor da pele que renasceu, da fé que se refez, da mulher que descobriu que é feita de luz mesmo quando o céu escurece. E, a cada outubro, repito para todas nós: façam o exame, escutem o corpo, toquem-se com amor. A vida é rara demais para ser deixada para depois.
E é por isso que, todos os anos, quando outubro chega, sinto vontade de abraçar cada mulher e dizer: você não está sozinha. Que nenhuma dor precisa ser vivida em silêncio, que pedir ajuda é também um ato de coragem. Que a prevenção é um gesto de amor próprio, mas também um compromisso coletivo — porque cada vida salva é uma vitória de todas nós. Que o espelho reflita não apenas uma imagem, mas uma história inteira de força. E que, em meio às marcas que o tempo e a doença deixam, floresça o que há de mais bonito em ser mulher: a capacidade de recomeçar, de transformar cicatrizes em asas e medo em luz.

Nana Vier, é Professora e escritora

































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