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A Rua Grande - Por Cláudia Kremer

Alguém me disse que a rua principal da cidade em que nasci estaria sendo revitalizada.


Que saudade que me deu de passear de mãos dadas contigo naquela rua. Grande, comprida e cheia de vida... Assim como a nossa história de amor.


Sentada aqui sozinha, numa casinha no meio do mato, em cima da montanha, ao lado do castelo, escuto o silêncio da vida que escolhi. Por vezes ouço o vento passeando pelo meio da árvores, o revoar dos pombos, um latido de cão. Raramente, escuto ao longe, a tosse do vizinho velho que fuma seu cigarro de rolo enquanto varre o terreiro. A tosse do velho me remete aos humanos, hoje tão distantes para mim.


Quanta nostalgia! Que saudade da humanidade daquela rua onde brotam farmácias como aqui brota o mofo nas paredes e o musgo nas pedras.


Que saudade de passear contigo ao longo da via, olhando as vitrines das incontáveis lojas de sapatos. Aqui, já nem de sapatos preciso. Ainda tenho os que trouxe quando cruzei o oceano em busca de aventuras. Agora acumulam bolor dentro da gaveta. Uso mais as pantufas para aquecer os pés parados.


Como percorreram, os nossos pés, aquela rua grande. Lá os sapatos se gastavam por si só.


Sei que um dia haveremos de lá voltar. E há de ser inesquecível o nosso retorno. Será num sábado de manhã a nossa incursão. Faremos tantas coisas, meu amor. Subiremos a Independência parando em cada farmácia. Quero me perder de ti por entre aquele mar de prateleiras para me encontrar de novo num multiverso de comprimidos coloridos.


Em cada uma compraremos um pó antisséptico Granado prá ti, uma Neosaldina e um Dorflex prá mim e uma Close up vermelha e um Phebo preto prá nós.... Imaginas o tamanho da mala só desses itens que traremos para Portugal?


 Passaremos pelo Café Senadinho. Os velhos tarados, que outrora me olhavam passar de mini saia, ainda estarão lá, mas já não mais repararão em mim. Não faz mal, o tempo passa para todos. Seguiremos felizes rua acima.


A cada esquina encontraremos um conhecido que nos fará parar para conversar por pelo menos 10 minutos. Isso vai atrasar o nosso percurso. Tentaremos fugir deles nos escondendo entre as araras das lojas de roupa, mas será em vão.


Com sorte conseguiremos dar uma passadela nos camelôs para ver as novidades e comprar umas balas de goma para o filho num dos inúmeros bazares de 1,99 que encontraremos pelo caminho.


Subiremos até o Kollos. Sei que vais querer parar no Rio Bar para cumprimentar o meu pai, o Jesus e o Gélson que certamente estarão tomando um rabo de galo na esplanada. Mas vais me dizer que não pega bem mulheres frequentarem o Rio Bar.


No Kollos podemos tomar um chop e comer uma batata frita. Depois desceremos novamente, até o Rio dos Sinos. Na Praça do Imigrante passaremos pela estátua da Santa pois estaremos curiosos para ver se ela estará trajando a capa do Batman ou uma bandeira de time. Oxalá será o manto vermelho do colorado.


 Comeremos então, um cachorro quente naquela carrocinha da praça, da qual o nome já me foge.


Sentaremos no banco em frente às piscinas do Iguassú, e mesmo com medo dos bandidos, tu me darás aquele longo beijo de língua com gosto de maionese. Não haverá contratempos para estragar esse momento, eu sei.


Para finalizar subiremos até o meio da ponte e de lá faremos nossa brincadeira preferida, aquela de tentar adivinhar as coisas que passam boiando pelo colo do rio. Uma mala vermelha? Um sofá? Um porco morto? Ou seria um corpo? Afinal, de tudo pode emergir nas tristes águas dos Sinos.


Por fim, lá de cima jogarei a rosa que me compraste quando passamos pela florista da Casa Mena.


Pedirei às águas do rio que nos tragam de volta, uma vez mais, ao aconchego desse dia, para um outro passeio de mãos dadas contigo pela Rua Grande.


Cláudia Kremer, é leopoldense, professora de Inglês e desde 2015, mora em Portugal

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