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Mulheres que voam - Por Magali Schmitt

“A humanidade sempre teve medo de mulheres que voam, sejam elas bruxas, sejam elas livres.” Li essa frase num meme no Instagram. Sem crédito ao autor, o que é uma lástima. A internet tem dessas coisas: as autorias desaparecem, novos donos surgem. Pessoas que nunca escreveram uma linha viram grandes pensadores; pensadores de verdade são escanteados. Lembro de Arnaldo Jabor comentando que circulavam pelo mundo virtual mais textos não escritos por ele do que os próprios.


A humanidade é curiosa. E no Brasil esse fenômeno é ainda mais acentuado. Mas não quero me ater ao comportamento dos brasileiros até porque, esse é assunto para vários outros textos.


É Halloween, e busco inspiração para meu artigo. Escrever é assim: há dias em que a gente acorda com a cabeça cheia de vozes e as palavras jorram sem pudor. Invadem a mente e nos obrigam a parar e fazer o download  seja no celular, num bloquinho, ou num guardanapo de papel, tal como faz Carpinejar. Elas nos assaltam durante o sono, pipocam e tiram a paz. Enquanto não se arranca aquele sentimento de dentro, não se puxa a ponta do fio e desenrola o novelo todo, não há descanso.


E há dias em que a magia simplesmente não acontece. Não há reza braba, benzedura ou fórceps capazes de parir algo minimamente aceitável. Nada agrada, nada tem cor. Nesses momentos, quando o prazo cutuca as costelas, vou para as telas tentar me intoxicar dos conteúdos mais diversos, para destravar as caixinhas lacradas da criatividade. A minha, confesso, tem um cofre com segredo cuja combinação nunca me foi revelada.


Costuma funcionar. Um segundo depois de me deparar com a frase lá de cima, o insight veio e cá estou, no modo pensamento destravado.


Me encaixei nessa ideia. Embora o uso da frase tenha sido, claramente, uma tentativa de linkar com a data, e isso por si só seja meio triste pois mostra que essa mazela ainda está longe de ser superada, quero focar na primeira parte. A parte do medo que a humanidade, leia-se: homens tem das mulheres. Caso contrário, a história não estaria aí para esfregar na cara de quem quiser (e também de quem não quer ver) as artimanhas que o mundo em pernas de calça arquitetou para nos sufocar. Por séculos, conseguiu.


Mas agora nós voamos. Somos bruxas e somos livres. Demorou, mas estamos perto do voo de brigadeiro. Restam arestas, é certo. Ainda há resistência. Mas ninguém pode nos deter. Esse é um voo de ida sem retrocessos.


E o curioso (de novo) é que os homens enxergaram nossa força muito antes de nós, e se organizaram para minar essa “ameaça”. Foi vil, admitamos. Sob o discurso da proteção, enredaram a mulher numa trama religiosa e preconceituosa que a mergulhou em milênios de culpa e obrigação, carregando sozinha o fardo de ser mãe do mundo enquanto a eles cabia a “árdua” tarefa de trabalhar, pensar e garantir o sustento desse ser tão frágil e indefeso.


Esse discurso mal travestido de bem, o interesse pessoal sobre as minorias já causou estragos que mancharam a história e nos envergonham. Por isso, é preciso estar atento aos sinais. Não podemos permitir, jamais, que nos cortem as asas sob a desculpa de que não temos condições de voar sozinhas.


Somos bruxas, lembram? Vamos usar esse poder — que mete medo em quem não o tem — para ocupar nosso espaço. Porque, se tivéssemos todos voado juntos, se fôssemos odos livres desde o início, posso apostar: o mundo seria um lugar muito melhor.

 

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Magali Schmitt, é autora e jornalista

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