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Quando o certo parece cruel - Por Nana Vier

Nem sempre o que é necessário é bonito de ver. A ação da polícia no Rio de Janeiro provocou reações intensas, mas não foi o mal em si, foi a consequência inevitável de uma sociedade que perdeu o senso de limite, de respeito e de pertencimento. Quando o bem precisa usar força para conter o caos, é porque o caos já venceu em muitas frentes antes: na escola, na família, na política, na educação moral. E, talvez, o que mais nos machuque seja reconhecer que parte desse descontrole nasce da nossa própria omissão.


Vivemos tempos em que a autoridade virou ofensa. O professor, que deveria ser o farol do conhecimento, é desrespeitado, agredido, desmoralizado. Os cursos de licenciatura, outrora celeiros de vocações, estão esvaziando as salas. Quem ainda se dispõe a ensinar precisa lidar com pais que, sem nunca terem segurado um giz, acham que entendem mais de educação do que quem dedicou a vida à sala de aula. E há, lamentavelmente, professores que confundem formação com doutrinação, trocando o encantamento do saber pela repetição de discursos. O resultado é um sistema à beira do colapso e uma geração que fala “tipo assim” porque desaprendeu a pensar com profundidade.


Vivemos num país de contrastes. O mesmo povo que se une comovido diante de uma tragédia, como vimos nas enchentes do Rio Grande do Sul em 2024, também convive com desvios de doações e saques a lojas. A solidariedade e a corrupção, lado a lado, como duas faces da mesma moeda. Somos, como disse o poeta, “um país abençoado por Deus e bonito por natureza”. Mas o que fizemos dessa bênção? Em que curva perdemos o rumo da ética, da hierarquia e do senso de coletividade?


No Rio, choram mães de bandidos e mães de policiais. Ambas, vítimas da mesma ausência: a do Estado, a da oportunidade, a da justiça que tarda e falha. Aqueles que caíram nas mãos do tráfico um dia foram meninos. E os que tombaram fardados também nasceram em comunidades carentes. A diferença está nas escolhas, mas as escolhas são moldadas pelas chances que cada um teve, ou não teve.


A verdade é que estamos cansados. Cansados da impunidade, da inversão de valores, do espetáculo de egos nas redes sociais, onde o like vale mais do que o mérito. Cansados de ver o dinheiro público escorrer por ralos de corrupção, de ver inocentes morrendo, de ver culpados sendo “descondenados”.


Ainda assim, insisto em acreditar. Porque acredito nas pessoas e continuo jogando o jogo do contente, como a velha Poliana. Acredito no país que resgata um cavalo ilhado em um telhado em meio à enchente, que se mobiliza para salvar desconhecidos, que ainda se emociona diante do bem.


Mas não há futuro possível sem um reencontro com o essencial: respeito, justiça, ética, estudo. Às vezes, o certo parece cruel, mas é justamente o gesto duro que restabelece o equilíbrio. Que o som das sirenes sirva de alerta, e não de trilha sonora cotidiana. Que as próximas manchetes sejam sobre escolas cheias, não sobre tiros e fugas. Que o Brasil volte a ser notícia pelo que constrói, não pelo que destrói.


Nosso país é lindo demais para continuar sendo apenas uma promessa adiada. Talvez o recomeço não venha de cima, mas do gesto silencioso de cada um que decide fazer o certo, mesmo quando o certo parece cruel. 


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Nana Vier, é Professora e escritora


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