A inclusão nossa de cada dia
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- 11 de set.
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As deficiências, sejam elas de ordem física ou intelectual, de caráter transitório ou permanente, acompanham a humanidade desde os seus primórdios. Ao longo da história, as pessoas com deficiência enfrentaram inúmeras barreiras impostas pela sociedade, sendo frequentemente marginalizadas, invisibilizadas e submetidas a práticas de exclusão. Durante séculos, sua presença esteve associada ao estigma, à caridade e ao assistencialismo, em vez de lhes serem reconhecidos direitos plenos de cidadania e igualdade de oportunidades. Somente nas últimas décadas, por meio de lutas sociais, avanços legais e mudanças de paradigmas, começou a se consolidar uma visão voltada para a inclusão, o respeito à diversidade e a valorização da dignidade humana.
Políticas Públicas de Inclusão
Para Raquel Dickel, diretora da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) de São Leopoldo, o Brasil conquistou avanços importantes no campo das políticas públicas voltadas às pessoas com deficiência ao longo das últimas décadas. Um marco fundamental foi a Constituição Federal de 1988, que elevou a igualdade a princípio constitucional e abriu caminho para a criação de políticas de caráter inclusivo. Outro passo decisivo foi a promulgação da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da PcD – 2015), legislação que consolidou a visão de que a pessoa com deficiência não deve ser vista apenas como alguém a ser protegido, mas sim como sujeito de direitos plenos, com garantias voltadas à acessibilidade, à educação inclusiva, ao mercado de trabalho, à saúde e à participação efetiva na vida social.
Entretanto, mesmo com todo esse arcabouço legal, Raquel destaca que o país ainda enfrenta um longo caminho até que a inclusão aconteça de maneira efetiva no dia a dia. “As leis de inclusão representam conquistas históricas, mas a sociedade ainda está em processo de aprender a transformar o discurso em prática cotidiana. Muitas vezes, ainda prevalece uma visão assistencialista ou limitada, quando o que realmente precisamos é de um olhar que valorize as potencialidades, reconheça a diversidade e promova o respeito”, afirma.
Segundo ela, o grande desafio atual é tornar a inclusão uma experiência vivida de forma natural, respeitosa e plena, rompendo com a ideia de que a adaptação e o acolhimento são apenas exigências legais a serem cumpridas. Para que isso aconteça, é necessário investir em educação, conscientização e mudança cultural, de modo que a convivência com as diferenças seja incorporada ao cotidiano da sociedade, desde a escola até o mercado de trabalho, passando pelos espaços de lazer, cultura e participação comunitária. “A verdadeira inclusão só será conquistada quando não for mais percebida como obrigação, mas como parte essencial de uma sociedade justa e democrática”, reforça Raquel.
Uma mudança familiar
O nascimento de um bebê com deficiência, ou mesmo o surgimento de alguma necessidade especial, provoca mudanças profundas na vida cotidiana do lar. A rotina, antes previsível e organizada, passa a ser permeada por novas demandas, cuidados específicos e adaptações que exigem tempo, paciência e resiliência. É natural que os pais, diante dessa realidade, sejam invadidos por uma avalanche de sentimentos e pensamentos. Logo surgem perguntas inevitáveis: Como devemos agir a partir de agora? Que tipo de suporte meu filho precisará ao longo da vida? Como será o futuro dele e o da nossa família? Nesse momento, o imaginário ganha força e influencia diretamente o comportamento dos pais, que, muitas vezes, oscilam entre a esperança e a preocupação. A dinâmica familiar, antes sólida, pode se fragilizar diante da insegurança que se instala, do medo em relação ao desconhecido e da incerteza quanto às respostas que ainda não existem. Cada detalhe do cotidiano passa a ser repensado: desde a forma de acolher e estimular o desenvolvimento da criança até a preocupação com questões de inclusão, aceitação social e autonomia no futuro.
Essa realidade traz consigo desafios emocionais, sociais e práticos, que exigem da família uma reorganização interna, novas aprendizagens e, acima de tudo, apoio mútuo. Nesse processo, é comum que sentimentos como angústia, ansiedade e até culpa apareçam, mas também pode florescer uma nova maneira de enxergar o mundo, valorizando conquistas simples e celebrando progressos que, para muitos, passariam despercebidos.
Para Cláudia Ercília Santos de Oliveira, mãe de Wellington Oliveira da Rosa, a gravidez, mesmo não tendo sido planejada inicialmente, chegou cheia de sonhos. “Eu sempre sonhei e criei inúmeras expectativas para o meu filho. Quando o Wellington nasceu, em 16 de maio de 1993, recebi um diagnóstico que transformou por completo a minha vida. No primeiro momento, vieram as lágrimas, a dor e as incertezas, pois eu sabia que a nossa caminhada não seria fácil”, lembra Cláudia. Além de enfrentar todos os obstáculos trazidos pelo diagnóstico, havia uma barreira ainda mais dolorosa, aquela que não aparecia em nenhum laudo médico: o preconceito. “O nosso maior desafio, como família, não estava restrito apenas às limitações do cotidiano ou às adaptações que precisávamos fazer, mas sim em lidar com os olhares, julgamentos e atitudes da sociedade. Foi nesse momento que, como mãe, assumi a decisão de lutar incansavelmente pelo bem-estar, pela dignidade e pelo futuro do meu filho. Hoje, quando olho pra essa trajetória, tenho a convicção de que cada lágrima, cada batalha e cada conquista valeram a pena, pois resultaram em crescimento, superação e amor incondicional”, recorda Claudia.
Um caminho para ser percorrido
Ao olhar para essas famílias que lutam para garantir que seus filhos tenham seus direitos respeitados é fundamental olhar para o campo legislativo. No Brasil, embora haja conquistas significativas, como a criação de políticas públicas específicas e a promulgação da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI), a realidade ainda revela um longo caminho a ser percorrido. Hoje, tanto a legislação nacional quanto a internacional incluem a garantia de acesso ao trabalho, à saúde, à educação, à cultura e ao lazer. No que tange a legislação brasileira, com a Constituição de 1934, nasce um embrião do direito à integração social da pessoa com deficiência, mas o marco decisivo somente veio a ser estabelecido com a Constituição de 1988 e com as leis 7.853/89 – que dispõe sobre o apoio a pessoas com deficiência e sua integração social –, 8.112/90 – que instituiu o regime jurídico dos servidores públicos – e a 8.213/91 – que garante cotas em empresas privadas –, além do Decreto 3.298/1999, que regulamenta a Política Nacional para a Integração da Pessoa com Deficiência.
No entanto, milhares de pessoas que convivem com algum tipo de limitação, ainda, continuam enfrentando discriminação nas comunidades em que vivem, bem como dificuldades de acesso à educação de qualidade, aos serviços de saúde, à mobilidade urbana e ao mercado de trabalho formal. Muitas vezes, essas barreiras não são apenas físicas, mas também atitudinais, oriundas do preconceito, da falta de informação e da resistência em reconhecer a pessoa com deficiência como sujeito de direitos.
Participação orgânica de Conselhos
Para Maristel Brasil, administradora geral da Associação Vida Nova e atual presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência e Pessoas com Altas Habilidades/Superdotação (COMUDEPE), a verdadeira inclusão social de pessoas com deficiência, assim como daquelas com altas habilidades ou superdotação, não pode se restringir apenas ao campo teórico ou à letra fria da lei. Segundo ela, trata-se de um processo complexo, que depende diretamente da implementação de políticas públicas eficazes, consistentes e de longo prazo, capazes de assegurar não apenas os direitos já conquistados, mas também a plena participação dessas pessoas em todas as esferas da sociedade.
Apesar de existirem avanços importantes no arcabouço legal brasileiro — com diversas leis aprovadas ao longo das últimas décadas, voltadas à proteção, à acessibilidade e à inclusão —, o cenário ainda revela um grande desafio: a distância entre aquilo que está previsto em lei e o que de fato acontece no cotidiano. A ausência de fiscalização rigorosa, a limitação de orçamentos específicos para a área e, principalmente, a falta de vontade política fazem com que muitas dessas legislações se tornem ineficazes, permanecendo apenas no papel.
Um exemplo emblemático citado por Maristel é a Lei de Cotas para Pessoas com Deficiência no mercado de trabalho, que, apesar de representar um avanço fundamental, muitas vezes encontra entraves em sua aplicação prática. Diversas empresas, por falta de preparo ou de sensibilidade social, não cumprem integralmente a legislação, e a fiscalização insuficiente permite que essa realidade persista. Isso acaba restringindo as oportunidades e perpetuando barreiras para a inclusão plena no mundo laboral. “Para que a inclusão seja, de fato, uma realidade concreta e transformadora, é necessário ir muito além do simples cumprimento formal das normas. É preciso investir fortemente em programas de conscientização social, que ajudem a combater preconceitos e estigmas históricos; incentivar a participação ativa da sociedade civil, das famílias e das próprias pessoas com deficiência nos espaços de decisão; e ampliar os investimentos em infraestrutura acessível, garantindo ambientes físicos, tecnológicos e comunicacionais inclusivos”, comenta Maristel.
As medidas de inclusão social são fundamentais para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária, capaz de dignificar quem antes era excluído. O conceito de inclusão social é o movimento pelo direito incondicional de todos os seres humanos a participar ativamente da vida pública, sem qualquer restrição de crença, religião, posição política, etnia e orientação sexual. Entretanto, não basta garantir a inserção das pessoas com deficiência, pois é necessário que elas permaneçam na sociedade de forma justa e igualitária.


































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