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Raiz e vento: a mulher gaúcha de ontem e de hoje - Por Nana Vier

Há nos olhos da mulher gaúcha um brilho de tempo antigo, um segredo guardado entre tramas de renda e cicatrizes invisíveis. Quando penso na mulher gaúcha, minha memória se abre como um livro que marcou minha vida: A Casa das Sete Mulheres, de Letícia Wierzchowski. Essa obra, uma das minhas preferidas, ensinou-me a olhar para a história e para a mulher com mais ternura, revelando sua força silenciosa e sua doçura escondida nas entrelinhas. Desde então, serve-me de farol e inspiração na escrita.


Vejo, com a lente da imaginação, a sala antiga de uma estância, cortinas pesadas dançando ao sopro do minuano. Sinto o cheiro da lenha queimando no fogão. Ali estão aquelas sete mulheres, envoltas em coragem e solidão, costurando com dedos firmes o destino de um povo em guerra. Enquanto os homens partiam para os campos de batalha, eram elas que guardavam a chama da esperança, zelavam pela família, preservavam tradições e rezavam por um amanhã que parecia distante.


Na clausura forçada daquela casa nasceram lendas, sonhos, cartas de amor e saudades que atravessaram séculos — e, de certa forma, continuam a atravessar quem lê aquelas páginas. Cada fio de cabelo preso sob lenços antigos, cada suspiro diante da janela, cada oração sussurrada ao entardecer revela uma força que não se apaga com o tempo. É essa força — discreta, mas luminosa — que encontro quando penso na mulher gaúcha: guardiã de histórias, tecelã de memórias, dona de uma coragem silenciosa que move montanhas e gerações.


A mulher gaúcha carrega esse legado no sangue: a força de quem aprendeu a esperar sem se acomodar, a resiliência de quem sabia transformar a ausência e o medo em coragem. Essa imagem de vestido rodado, trança firme e olhar determinado não ficou perdida nos livros de história; ela ecoa nas mulheres de hoje, que ainda dançam o fandango, preparam o mate, mas agora também ocupam espaços de decisão, dirigem empresas, lideram movimentos, pilotam tratores e defendem suas ideias com o mesmo brio dos Farrapos.


Ser gaúcha é ser herdeira dessa mistura de delicadeza e bravura. É saber montar a cavalo e usar salto alto, é escolher uma bombacha para o rodeio e um blazer para a reunião. É carregar no coração a tradição, mas olhar para o futuro sem medo de ser protagonista. Em cada cidade, de Porto Alegre ao interior mais distante, há mulheres que constroem pontes, erguem escolas, tocam negócios, escrevem livros, criam filhos e ainda encontram tempo para cultivar flores no quintal.


Se antes a vida feminina parecia confinada entre paredes de uma casa, hoje ela transborda ruas, empresas, universidades, palcos e tribunas. Mas nada do que se conquistou apagou aquela essência: o jeito firme de segurar a cuia de chimarrão, o amor por sua terra, a fé transmitida em rezas e cantos, o respeito pelo passado. A mulher gaúcha moderna não renega a história; ao contrário, a reinventa.


Talvez, se aquelas sete mulheres pudessem espiar nossos dias, ficariam orgulhosas. Porque, de certa forma, elas já sabiam: cada carta escrita à luz de lamparina, cada oração feita no silêncio da noite, cada vestido bordado à mão era também um ato de resistência. Hoje, a mulher gaúcha continua bordando o próprio destino, só que com linhas novas — feitas de coragem, liberdade e sonhos possíveis.


Entre a tradição e a modernidade, ela se mantém raiz e vento. Raiz que sustenta a cultura, vento que sopra novos caminhos. É assim que a mulher gaúcha segue escrevendo a sua história: com a mesma força das sete mulheres que deram nome a uma casa, mas agora ocupando o mundo inteiro como se fosse sua estância.


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Nana Vier, é  Professora e Escritora

 

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