O tédio das coisas que nunca mudam - Por Magali Schmitt
- Andressa Brunner Michels - Jornalista - MTB 19281/RS

- há 2 dias
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Se tem uma frase que me irrita lá no fundo e me pega num lugar primitivo é o “mas sempre foi assim”. O sempre foi assim carrega aquela coisa da preguiça, da falta de penso, do texto em Times New Roman: a primeira fonte que aparece, o prato da casa. Meu nível de irritabilidade é proporcional à minha necessidade de ser desafiada, de movimento, de romper o status, de me rebelar. E o mais do mesmo me desassossega. Se todo mundo se conformasse com o sempre foi assim, ainda estaríamos morando nas cavernas e caçando para sobreviver. Graças aos inconformados não precisamos mais desfilar por aí nossa velha roupagem australopiteca. Mas eu não sou todo mundo, já bem disse a minha mãe. Por isso, e por todos que deram um jeito de inventar, criar e girar a engrenagem para que estejamos aqui hoje, acho — no mínimo — falta de respeito com a humanidade vindoura desperdiçar intelecto porque “sempre foi assim”.
E talvez seja exatamente essa frase, repetida como um mantra do tédio humano, que me deixe com a pulga atrás da orelha quando tento produzir em semanas atropeladas como esta. Porque enquanto o mundo diz “faz como sempre fizeste”, a vida aqui dentro insiste em cutucar: “e se não?”. O problema é que o “e se não?” exige tempo, esse bem finito que anda mais escasso do que paciência em fila de banco. Entre prazos, reuniões, mensagens que chegam como mosquitos em noite quente e uma inspiração que resolveu tirar férias sem aviso prévio, fico tentando encaixar um fio de pensamento inteiro dentro de um dia picotado.
Mas aí me dei conta — talvez esse seja justamente o ponto. A tal falta de inspiração, quando aparece, também é um protesto íntimo contra o sempre foi assim. É como se a cabeça dissesse: “hoje não vou operar no piloto automático. Se quiser crônica, vai ter de me surpreender”. E, convenhamos, tem certa sabedoria nisso. Porque escrever só por escrever, repetindo fórmulas do tipo “funcionou antes, então vamos de novo”, é empobrecer aquilo que a gente tem de mais raro: o olhar que muda. A faísca que enxerga alguma coisa onde, minutos antes, não havia nada.
É por isso que insisto — às vezes sozinha, às vezes acompanhada de uma xícara de café que esfria antes que eu perceba — em provocar o mundo com perguntas que me salvam da anestesia. Por que isso é assim? Quem decidiu? Dá para mexer? Dá para melhorar? Tem outra forma de contar essa história? Pode parecer bobagem, mas é nesse exercício quase infantil de teimar com o óbvio que mora a tal da criatividade, esse bicho arisco que não aceita coleira.
No fim das contas, talvez o que mais me incomode no “sempre foi assim” seja o convite silencioso ao apagamento. Ao desuso das sinapses. À desistência preguiçosa de imaginar. E, desculpem a ousadia, mas se tem algo que eu não pretendo deixar para as próximas gerações é um mundo acomodado, domesticado, cinza. Prefiro entregar uma bagunça pensante, um quebra-cabeça em movimento, um convite permanente ao espanto.
Porque, se depender de mim, o “sempre foi assim” não será assim para sempre.

Magali Schmitt, é jornalista e escritora.































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